sexta-feira, 31 de agosto de 2007

A Dança dos Signos (crônica)

Sou daqueles que lê tudo que me cai em mãos, e entre preciosidades literárias e outras nem tão boas assim, nesse último verão que passou tive a oportunidade de desfrutar da leitura do Guia dos Signos. Que trabalho bastante produtivo! Primoroso. Não se trata do horóscopo que costuma vir nas páginas dos jornais que folheamos todos os dias, mas de um compêndio completo e abrangente que engloba as características dos doze signos do zodíaco. Personalidade, Trabalho, Amor, Dinheiro, Sexo, Família, Saúde, combinações, ascendentes, simpatias e muito mais! Tudo ao preço de um real, o valor que paguei pelo exemplar num daqueles sebos ao qual sempre insistimos em voltar. Porém, por ter sido adquirido em sebo não confundam o exemplar com velharia, pelo contrário. É uma edição de 2006, ou seja, desde que o prazo de validade não esteja vencido (levando em conta que, como já disse, não é o tipo de guia com previsões de data marcada, e sim uma análise profunda das características de cada signo), o conteúdo do livro permanece (e permanecerá) atual, eterno e duradouro. E eu sou daqueles que, como diria Luis Fernando Veríssimo, não tem superstições, mas possuo uma ferradura atrás da porta porque dizem que trás sorte mesmo para quem não acredita. Além do mais, o exemplar era de uma beleza visual de encher os olhos, desde o colorido esfuziante da capa até a competência do projeto gráfico das páginas do miolo daquele compêndio. Como o que vale hoje em dia é a embalagem (e não o conteúdo), num daqueles momentos em que a curiosidade falou mais alto que o senso crítico que todos imaginamos possuir, acabei levando o livro para casa.

O interesse das pessoas em predizer o futuro e conhecer o passado obscuro transcende a ausência de conhecimento de todos nós, pobres ignorantes que nada sabemos sobre quem somos e o que significamos. Desde a Antiguidade os oráculos e adivinhos têm dado suas contribuições para desenhar o que há por trás da pálida personalidade de cada individuo, encontrando significados para as questões que de tão simples exigiriam respostas mais complexas. E aí chegamos ao livrinho a que me referi. Se o cito nessa crônica, não é para fazer uma resenha crítica da obra em questão, apenas o uso como exemplo que corresponde a todos os trabalhos de adivinhações, astrologia, horóscopo e congêneres que nos são empurrados dia-a-dia em tudo que é tipo de mídia (livros, revistas, jornais, internet, rádio, televisão, etc.). Esse Guia dos Signos é um achado. Páginas e páginas dedicadas a cada signo do zodíaco em analises profundas como o pires em que colocamos nossas xícaras de café. Vou tentar resumir esse trabalho transcrevendo um trecho de cada análise dedicada a cada um dos signos.

ÁRIES: Suas marcas são a coragem e a ousadia (Agora eu sei porque muitos de nós somos tão covardes. É bom saber para poder usar de cautela com arianos corajosos e ousados).
TOURO: Você preza tudo que é estável e traz tranqüilidade (Quer dizer que todos os taurinos são desse modo, e o resto da humanidade instáveis e intranqüilos? Acho que nasci no signo errado. Ou nem tanto. Pode ser que Escorpião reserve boas surpresas).
GÊMEOS: Um de seus maiores dons é a comunicação (ou seja, quem não é geminiano está fodido).
CÂNCER: Sua família é a maior riqueza da sua vida (já estou reclamando por tantas pessoas queridas que não sejam de Câncer e que prezam acima de tudo a própria família. E além do mais, e aquele amigo meu que é do signo de Câncer e não está nem aí para os próprios familiares?).
LEÃO: Você sabe expressar os seus talentos (Estou perdido mais uma vez. Por mais que eu me aperfeiçoe em mais de uma atividade artística, serei sempre um fracassado).
VIRGEM: Nada escapa de seu olhar e de sua avaliação (Seria mais fácil dizer que virgem é aquele que nunca transou)
LIBRA: Conviver com as pessoas é seu maior prazer (Ou seja, librianos estão livres de ser anti-sociais). E finalmente o meu signo...
ESCORPIÃO: O seu signo sente um prazer todo especial em ganhar dinheiro (ora, pernas para o ar, tudo isso eu já sabia).
SAGITÁRIO: Liberdade e aventura são seus maiores ideais (Deve ser por isso que o símbolo desse signo é um arqueiro. Guilherme Tell devia prezar muito a liberdade e a aventura. Aliás, Guilherme Tell era sagitariano?).
CAPRICÓRNIO: Você sabe até onde quer e pode chegar (Todos os outros não terão perspectiva alguma. A propósito, eu já cheguei a ler numa página de horóscopo em uma revista qualquer que o signo de capricórnio tem tendências ao homossexualismo!).
AQUÁRIO: Em sua vida, não há espaço para regras (Nada a declarar).
PEIXES: A compaixão é a sua qualidade mais marcante (É verdade. Minha mãe é do signo de peixes).

Em suma, um daqueles livros que se não adquirimos, fatalmente nos arrependeremos por não tê-lo comprado, mas depois de lido, a vontade é de devolver ao vendedor. Claro que as transcrições só representam muito pouco do que está descrito no livro, porém as pinceladas representam a denuncia de farsa que propus compartilhar com os leitores. Enquanto nós, cronistas, poetas, romancistas e escritores nos encontramos praticamente impedidos de publicar por causa das dificuldades com o mercado editorial, livros inúteis como esse que não acrescenta nada à cultura do país encontra todas as facilidades para vender milhares de exemplares. É isso aí, quem mandou quando garotos a gente ler os clássicos da literatura em vez dos manuais de ocultismo!

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Os Filmes de Andrei Tarkovski


Em uma semana tive a oportunidade de assistir a obra do genial cineasta russo Andrei Tarkovski, o que além de fazer com que eu ficasse fascinado por seus filmes, também me deixou absoluta e literalmente esgotado. Mas não esgotado num sentido pejorativo, diria esgotado no sentido do que exige entrega mental total, pois seus filmes absorvem totalmente quem o assiste.

Foram todos os oito longas que ele dirigiu na vida (sendo que um deles, o primeiro, é na verdade um média-metragem). Sim, Tarkovski é um cineasta dificílimo (eu que o diga), seus filmes são plasticamente belíssimos, com uma densidade psicológico-literária bastante incisivas, mesmo quando trabalhando em sci-fiction (como Solaris & Stalker). Bergman chegou a dizer que Tarkovski realizava exatamente o que ele, Bergman, sempre quis fazer em cinema e nunca o conseguiu.

São filmes os quais é necessário um bocado de paciência para assimilá-los, e um outro tanto de reflexão para entendê-los. Ainda terei que rever mais vezes cada um de seus filmes para entendê-los melhor, e sem duvidas, o farei uma outra hora. Ainda assim, nessa semana depois que eu, combalido, me recuperei do efeito devastador dessa maratona, escrevi pequenos comentários sobre as primeiras impressões que cada um desses filmes me causou nesses dias (antes, eu só havia assistido Solaris e O Sacrificio, mas há muito tempo, na adolescência).

O Rolo Compressor e o Violinista: Filme de fim de curso quando Tarkovski estava com 28 anos, essa média-metragem tem como maior curiosidade fazer com que o espectador tente encontrar características que se veriam nos filmes posteriores e mais famosos do diretor: reflexões sobre a dicotomia artista/homem comum (representado na amizade entre o menino violinista solitário e o operário embrutecido pela vida), tratamento cuidadoso com a textura das imagens e das cores, o rigor da narrativa que lhe seria peculiar pelo resto da carreira e até mesmo a marcante presença da água, que aqui aparece em destaque na linda cena com o menino tocando violino enquanto gotas de águas vão caindo na poça, em perfeita sincronia com o andamento da música tocada pelo pequeno artista. A água que cada vez mais em sua obra iria se tornar um elemento sempre presente geralmente em planos longos, melancólicos e persistentes (o que remete à definição de Heráclito sobre a água de um rio em movimento), criando uma variedade de possibilidades sonoras e visuais intensas, desde variações de intensidade de uma chuva ou de um movimento de um lago, rio, oceano ou simples poças-d’água, transbordando em diferentes superfícies, até gotas que pingam individualmente em líquidos ou sólidos. Obviamente mais indicado aos fãs do diretor ou para quem já está predisposto a adentrar em sua obra, não deixa, no entanto, de ser interessante para qualquer tipo de público como filme de qualidade.

A Infância de Ivan: Poderia ser definido como o filme de guerra da filmografia do diretor. Mas é bem mais que isso, seu primeiro longa já é sua primeira obra-prima e mesmo com uma história bem mais convencional (a guerra vista sob os olhos de um menino) do que se veria em seus filmes seguintes, este já carrega marcas registradas que permeariam sua carreira: em muitas de suas belíssimas cenas em preto-e-branco ele mistura sonho, vigília e memória fazendo com que nos confundam diante do que é visto na tela, promovendo o que pode se tornar a interpretação infindável na mente de quem o assiste. A câmera do diretor já se mostra fascinante como em momentos em que mescla um ambiente ao outro sem cortes, como a do sonho do menino, em que a partir de sua cama a câmera segue subindo pela parede e de repente sai de um poço, onde transcorre todo o sonho.

Andrei Rublev: Se os dois filmes anteriores estão entre os mais recomendáveis para se iniciar em Tarkovski, o mesmo não se pode dizer desse. Não que seja ruim. Longe disso, é um dos melhores. Só que em seu caráter de epopéia esse filme-monumento pode cansar espectadores de primeira viagem com sua longa duração (quase três horas e meia de projeção). Quem não se importar com esse detalhe, acompanhará a obra do cineasta russo em que mais se faz presente a materialização da arte como algo sagrado que representa a própria fé do homem-artista na humanidade, mesmo com todas as desgraças que possam assolar um povo inteiro (no caso, a invasão mongol que devasta com o povo russo na Idade Média, onde se encontram os dois artistas protagonistas). Cenas inesquecíveis: os gansos caindo no meio da batalha feita em slow-motion, a mágica presença das algas quando Rublev e Teófanes dialogam perto do riacho, o cavalo que depois seria sacrificado tombando na tela... E depois de todas essas e muitas outras maravilhosas imagens em preto-e-branco, na inesquecível cena final as cores reluzem expondo o que de mais transcendental pode permanecer mesmo com todos os absurdos cometidos pela humanidade: a arte. Pode até ser um filme atordoante, mas é muito, mas muito belo.

Solaris: Tarkovski deve ter se impressionado muito com 2001-Uma Odisséia no Espaço, porque logo após o lançamento do clássico de Stanley Kubrick ele enveredou pelo universo da ficção cientifica em dois dos mais cultuados exemplares do gênero (Solaris & Stalker). O diretor encontrou nesse gênero os caminhos de infinitas possibilidades visuais e temáticas para expressar suas metáforas sobre o ser humano, em viagens internas e/ou interiores de sensações e sentimentos que são como um (re) encontro do homem consigo mesmo, questionando as divergências entre o real e o imaginário na concepção da imagem que nossos olhos julgam enxergar. A materialização do pensamento na alma humana. É a ficção cientifica interior. Grandes momentos: os segundos de imponderabilidade, a viagem de automóvel percorrendo um complexo de viadutos, as folhas que ondulam o vento... O cinema de tarkovski é assim mesmo. Cenas que quando descritas no papel podem até não chamar a atenção. Mas na tela, é sublime.

O Espelho: Eis o que pode ser chamado de um filme menor de Tarkovski, no sentido de que ele seria o menos bom dos longas do diretor. Ou não, já que tem fã que considera esse justamente o melhor de todos. O Espelho parece menor por estar espremido entre as duas ficções-cientificas gigantes do cineasta, mas não é menos relevante. Basicamente, Tarkovski volta-se aos meios mais mundanos para expressar os problemas emocionais de uma deprimida operária que trabalha numa gráfica. Um intenso ensaio sobre a problemática das relações humanas.

Stalker: Talvez o ápice do cineasta, ainda que seja tão difícil definir o melhor ou o pior que esse sujeito fez. E eu disse talvez pelo fato de que ainda estou tentando assimilar muito do que assisti, porque se em Solaris Tarkovski já transcendera a ficção cientifica com sua densidade literário-psicológica, em Stalker ele extrapola a ponto de muitos espectadores recusarem-se a incluir o filme entre os produzidos pelo gênero. Um sonho irreal que mais parece um pesadelo em que os personagens movem-se numa atmosfera altamente lúgubre buscando um lugar em que todos os desejos mais profundos se realizam, da mesma forma com que o diretor como artista sempre buscou conduzir as platéias para um universo mágico, poético que grande parte da humanidade parece não enxergar mais. A poesia cinematográfica perpassa por toda a película, nesse longo passeio da câmera acompanhando os personagens que percorrem seu caminho entre as poças da água a caminho da “Zona”. Mais uma vez trabalhando com o oculto na mente humana, aqui o diretor é mais metafórico do que nunca. Arrisco-me a dizer o que ensaiei a afirmar antes: a obra máxima do cineasta.

Nostalgia: Disputaria com O Espelho o titulo de filme menos bom de Tarkovski se a obra dele permitisse tais hierarquias de valor. Seu primeiro filme fora da Rússia, mais uma vez cheio de considerações filosóficas em atmosferas introspectivas, sempre em torno de um ser humano que busca uma forma de voltar para dentro de si para transcender as barreiras materiais e se elevar num nível de percepção espiritual muito acima do que conhecemos. O pior de Nostalgia é a tarefa de suceder uma obra-prima como Stalker, da mesma maneira que é difícil conferir O Espelho logo após ter visto Solaris na maratona que fiz na semana passada. Mas Nostalgia tem méritos suficientes para ocupar o lugar de importância que cada filme de Tarkovski possui.

O Sacrificio: Um dos meus preferidos do diretor, é mais um filme no exílio de Tarkovski, que já gravemente enfermo, não sobreviveria muito tempo após a sua realização. Num fim de semana numa casa de campo, o que era para ser uma festa em homenagem a um artista muito velho faz com que este seja perturbado por estranhas alucinações em que o mundo degradado e sem valores é simbolizado por um inferno representado por uma guerra nuclear e o iminente fim do mundo. O artista busca salvar os que lhe são próximos na esperança de reverter o fim de tudo propondo-se a um sacrificio do material em busca da redenção espiritual. O artista arrisca doar-se inteiramente num ato de amor querendo salvar a humanidade perdida, mesmo sacrificando razões que a própria razão alheia não compreende. Essa derradeira obra-prima representa toda a proposta pela qual Tarkovski lutou a vida inteira. O seu testamento cinematográfico.

sábado, 11 de agosto de 2007

O Homem em um Copo de Whisky (conto)

Fiz um trato de amor com a mulher que sempre quis, aquela a quem continuamente desejei: tornei-me pequeno diante dela, tão minúsculo e diminuto que a mulher me pôs na palma de sua mão e riu com o destino ao qual eu havia me entregue. Pensei que se dedicaria a uma intensa contemplação amorosa, aproveitando o domínio que possuía naquele momento, porém ao invés do amor a mulher respondeu com um sorriso de desdém por eu ter descido tão baixo naquele meu permanente estado de pequenez. Eu sou aquele pontinho obscuro que quase ninguém enxerga. Era miúdo como a unha do dedo menor de um menino.
A mulher quase que balança a cabeça, e com o pouco caso de quem está com pressa de se descartar de algo inútil e sem valor, verifica pelos cantos um local onde pudesse me deixar enquanto não se livrasse de mim em definitivo.
Por fim, encontra um quase vazio copo de whisky sobre a mesa, e sem alternativa para o momento, me despeja com um bocado de indelicadeza para o interior do copo semivazio, pega a bolsa e sai para o trabalho. A bebida seria o equivalente a dois dedos normais de um homem, eu estava seguro; no entanto, o confinamento levou-me às lágrimas e eu chorei. A água caída dos olhos não era proporcional ao corpo diminuído de tamanho e mais um pouco eu me afogo.
Amar uma mulher e não amar a si mesmo é como correr em direção oposta à linha de chegada. Igual a querer abraçar a mulher amada sem ao menos levantar os braços para cumprir o gesto desejado. O amor nasce em nós mesmo e só dentro da gente ele se concretiza. Dois Narcisos nunca se odiarão. Narciso cansou de ficar olhando apenas para si próprio no espelho do rio em movimento, mas em nenhum instante deixou de se amar em detrimento ao próximo.
Era noite e uma irmã bem menor da mulher que me guardara no copo apareceu e encarou-me através do vidro daquele invólucro, como se me enxergasse dentro de uma bola de cristal. "Mana, tem algo estranho no copo, uma sujeirinha, eu acho"! - avisou a menina para a mulher que voltara para casa. A mais velha não ouviu direito o que a outra dissera, percebeu apenas que se referia ao copo em sua mão, devia estar estressada devido ao cansaço estafante que a consumia, e mais ainda, deve ter se esquecido de mim, pois sem enxergar o pontinho escuro que boiava no whisky, ela pegou o recipiente dos dedos da menina e engoliu o resto de bebida que havia naquele copo que depois colocou sobre a mesa.

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