terça-feira, 19 de junho de 2007

A Bela da Tarde

Em meados da agitadíssima década de 60, após já ter construído uma gloriosa carreira de grandes filmes (a maioria verdadeiras obras-primas), Buñuel pôde sair do México para voltar a filmar na França, quase quarenta anos depois de ter sido praticamente expulso de Paris após a escandalosa, tumultuada e maldita exibição do clássico surrealista A Idade de Ouro, prontamente interditado na época. Na verdade, no final dos anos 50, em meio à sua carreira mexicana, o cineasta espanhol realizou três filmes na França (Cela s’Appelle l’Aurore e La Mort em ce Jardin), ao mesmo tempo em que também filmou na França (Viridiana) e até nos Estados Unidos (The Young One), para logo em seguida voltar ao México e realizar o extraordinário O Anjo Exterminador. Depois de um outro filme francês (O Diário de uma Camareira), ele faria o seu último filme mexicano (Simon del Desierto), para voltar ao solo francês e se estabelecer em definitivo em Paris, consagrando-se com o absoluto sucesso de público e de critica de A bela da Tarde, de 1967.
"Belle de Jour foi talvez o maior êxito comercial de minha vida o qual atribuo mais às prostitutas do filme do que propriamente ao meu trabalho", diria o cineasta. De fato, talvez seja o filme mais nelsonrodrigueano que já tenha sido feito no mundo, pelo menos fora do Brasil. Para um fanático que nem eu pela obra do dramaturgo carioca, a associação de seu nome com o filme de Buñuel é quase inevitável. Pena que aqui no Brasil não houvesse gênios o suficiente para filmar histórias do Nelson com a qualidade vista em A Bela da Tarde (esse é o típico filme, na época em que as produções brasileiras investiam pesado em sexo e nudez, que por aqui tantos tentaram fazer porém nunca conseguiram) . Mas deixemos o escritor brasileiro de lado, mesmo porque seu nome não tem nada a ver com o filme de Buñuel, que é uma adaptação do romance de Joseph Kessel. Uma estranha e fascinante mistura de realidade e imaginação, fatos e devaneios, verdades e sonhos, na insólita história das desventuras de Séverine Serizy (a deusa Catherine Deneuve, mais atraente do que nunca), a delicada, sedutora e entediada esposa de um médico burguês com quem mantém uma fria e distante relação, e que, atraída pela prostituição, resolve freqüentar durante as tardes um bordel parisiense que encontrara quase que por acaso, onde se envolve com situações diversas e se relaciona com um estranho e violento marginal (talvez o mais sincero de todos os personagens que desfilam pelos fotogramas do filme de Buñuel). Ela carrega certa frustração emocional e sexual bastante forte, com necessidade de rever conceitos e satisfazer anseios e impulsos sufocados em sua vida esmaecida. Severine precisa respirar, quer emoção, perigo e aventura, ou simplesmente deseja experimentar o desconhecido, arriscar-se no terreno do que não lhe é permitido. A principio receosa, ela acaba-se se entregando as todas às suas taras, desejos e obsessões recalcados, visto que ela se satisfaz com o ultraje físico e moral, libertando suas perversões de burguesa enfastiada, contrariando os ditames do catolicismo e da hipocrisia social, que a aprisionavam, e contra os quais Buñuel dirige sua severa, violenta e habitual crítica devastadora. Séverine sucumbe aos açoites, à submissão e humilhação sexual, lama na cara e outras agressões verbais (tipo “puta” e “vagabunda”).

Quantas mulheres devem ter esses mesmos desejos que Severine, querer ter uma vida (ou pelo menos, um dia) de Bela da Tarde? O mais provável é que a maioria mal admita para si mesma essa idéia. O recado de Buñuel é que se tais desejos forem ignorados, podem destruir, dilacerar brutalmente a personalidade e os mais caros laços de afeto por si mesmo de cada individuo, como ilustrado no desfecho do filme, que sugere que aquela vida dupla de Severine não tenha puramente passado de fruto do êxtase do seu imaginário infeliz, um sonho em suspenso. Mesmo com tanta intensidade, Buñuel não se excede nas diversas e delirantes situações eróticas do enredo, construindo com segurança e rara sutileza e equilíbrio uma insinuante história de sexualidade reprimida, sem que em nenhum momento resvale na pornografia ou caia em qualquer tipo de exageros (mesmo as cenas de nudez são muito poucas).

No inicio do filme, Séverine está a passear com o marido quando este ordena que ela desça do carro de viagem e pede aos cocheiros que a chicoteiem violentamente, cena de gozo pessoal da protagonista seguida por uma outra cena de violação, tudo sonho e fantasia da mulher mal-amada. Quem garante que as cenas no bordel não seriam também resultados dos devaneios que a infeliz esposa habituara-se a viver? Buñuel não deixa nada explicado, e o que resulta numa deliciosa dúvida a que a platéia não precisa se dar ao trabalho de resolver. Como nas melhores obras do mestre, tudo não passa de um convite do cineasta espanhol para que se sintam seus filmes, para que a gente se entregue a viagem percorrida pelos personagens, mesmo que nem sempre os compreendamos. Não que A Bela da Tarde seja demasiado obscuro, difícil ou incompreensível. Longe disso: talvez seja a mais acessível de suas obras ao grande público. Quase que impossível que alguém não se envolva pela trajetória de Severine e sua irremediável solidão, em paralelo com os homens que cruzam o seu caminho. Mesmo porque, caso a algum espectador a história não agrade, sempre haverá Deneuve como colírio durante toda a sessão.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

O Cão Andaluz/ A Idade de Ouro


Bem, voltando a escrever sobre obras-primas do cinema, retorno aos filmes de Luis Buñuel, concentrando-me em suas duas primeiras obras, O Cão Andaluz e A Idade de Ouro, radicais experiências surrealistas, clássicos incontestáveis do cinema mundial.
Esses dois primeiros filmes de Buñuel (ainda mais por terem sido feitos em parceria com Salvador Dali) são mesmo de pirar a cabeça de qualquer espectador, surrealistas ao extremo e anárquicos por excelência. O primeiro, O Cão Andaluz, a despeito de suas quase oito décadas de existência, ainda é em seus dezesseis minutos de duração o curta-metragem mais famoso, original e importante da história do cinema. Os franceses estavam a uma década obcecados em novas formas da então novíssima linguagem cinematográfica, mais especificamente, realizando experiências de vanguarda geralmente com resultados bastante próximos do abstrato e do dadaísmo. Cão Andaluz não chegou a ser a primeira experiência surrealista do cinema. A honra coube á La Coquille et lê Clergyman, dirigido por Germaine Dulac a partir de um argumento do poeta Antonin Artaud. Cão Andaluz é uma estranha combinação de imagens paradoxais e aparentemente desarmônicas (quase que um aspecto semelhante à dita montagem de atrações, de Eisenstein), uma incessante busca do insólito, do gratuito e do absurdo, como que de encontro a novas formas de metáforas poético-visuais, resultando em efeitos advindos de uma exploração do inconsciente humano, ou então do puro acaso, transpondo um universo onírico, caótico.

O filme começa com a supracitada cena do olho aberto por uma navalha de barbear, em paralelo com a Lua sendo atravessada por uma nuvem negra. Uma das imagens mais emblemáticas do cinema, porém um emblema desprovido de significados. Cada espectador interpreta esse momento com o que essa imagem possa representar para si mesmo. Pode ser o corte da vida pela morte, o corte de um amor pelo abandono, o corte traumático da virgindade por uma má iniciação... Tanto faz. O inconsciente de cada olhar poderá conferir significado às imagens dessa obra-prima surrealista, mesmo que nenhuma interpretação possa ser considerada definitiva e nem totalmente satisfatória, muito menos coerente com as intenções dos realizadores, que juram que não tinham intenção alguma ao confeccionar o célebre curta-metragem.

Outras cenas delirantes se sucedem: formigas saindo de um inexplicável buraco na mão do homem, ou, um pouco antes, quando este adquire feições animalescas ao agarrar a mulher amada. Esta se desprende do sujeito, e quando ele tenta segurá-la entre os braços novamente, o homem é impedido de tocá-la por ele se encontrar preso por duas extensas cordas em que estão enlaçadas algumas abóboras, dois religiosos e um piano amarrado com jumentos mortos. Aos que pretenderam interpretar o filme como uma combinação do surrealismo com a psicanálise, essa cena bastante alegórica poder-se-ia explicar da seguinte maneira: O Amor (impulso do homem) e a sexualidade (as abóboras) são contrariados (as cordas) pelos preconceitos religiosos (os seminaristas) e pelos conceitos da burguesia (o piano). Como já havia referido agora a pouco, Buñuel seria o primeiro a desmentir qualquer interpretação simbólica nessa sua obra de estréia. Para ele, o roteiro do filme é formado por imagens surpreendentes e absurdas sem significado algum, um filme experimental em que a forma seria mais importante que qualquer conteúdo. “No fundo, não é nada mais do que um desesperado, um apaixonado apelo ao crime”, resumiria o cineasta espanhol. Se bem que sou daqueles que pensam que, depois de lançada ao mundo, os significados de qualquer obra deixam de pertencer exclusivamente ao realizador, passando para o espectador a tarefa de com os olhos apurados e mente aberta extrair todo tipo possível de simbologia no contexto da obra de arte (desde que cada interpretação seja perfeitamente plausível, diga-se de passagem).
Mesmo com essas descrições aparentemente malucas das imagens criadas por Buñuel e Dali, ao espectador curioso e de mente aberta O Cão Andaluz vai sempre representar uma experiência sensorial absorvente, a despeito de que ao longo das décadas o filme vem causando atração ou repulsa aos olhos de quem o vê. Particularmente, acho que mesmo não o entendendo, O Cão Andaluz fascina mais facilmente, ao contrário do posterior A Idade de Ouro, onde continua valendo a questão do aparente desprovimento de significados de suas imagens. Só que aqui não há o mesmo tour-de-force delirante de cada fotograma do curto e conciso O Cão Andaluz, que faz com que para muitos seja uma experiência absolutamente fascinante, porém esse segundo filme é de um longa-metragem sonoro relativamente mais contido, com a maioria de suas cenas aparentemente mais banais (mas só na aparência), e um tom quase próximo do documental (impressão advinda de uns fragmentos de cine-jornal de um documentário sobre escorpiões, que abrem o filme), mas nem por isso menos estranho e surreal. Há quem diga que era uma tentativa de abolir de uma vez certas tendências gratuitas da vanguarda francesa da década de 20, sendo considerado o ponto final dos cinemas dadaístas e surrealistas ortodoxos daquela época. Que seja. O que importa é que é o filme mais virulento e transgressor de Buñuel. Nessa fase de transição, A Idade de Ouro representa uma ponte com todo o posterior cinema de narrativas relativamente mais usuais de Buñuel, com sua rebeldia e inconformismo diante das convenções estabelecidas, nunca abrindo mão de inserir cenas surreais e oníricas, cheias de uma dureza e de um humor corrosivo nem sempre fáceis de assimilar num primeiro olhar.

Buñuel e Dali inspiraram-se em alguns temas de Freud, do Marquês de Sade e de Karl Marx para criar o argumento de A Idade de Ouro. Mesmo assim, durante a produção, Dali se desligou do projeto, sendo que a única cena que ele criou foi a que um personagem anda com uma pedra na cabeça igual à estátua que ele acabara de cruzar. Dessa vez, o protagonista é um anti-herói subversivo e herege que, ao mesmo tempo em que costuma chutar cachorros de rua, condena hábitos de caridade espancando um mendigo, desafia as convenções sociais fingindo servir à sociedade (numa cena, ele esbofeteia uma senhora apenas porque essa acidentalmente derramou um pouco de bebida em sua roupa), sempre movido por seus impulsos sexuais e selvagens, quase místicos. De fato, quase que um precursor de Alex Delarge de Laranja Mecânica de Stanley Kubrick. Em A Idade de Ouro, uma história de um amor louco jamais concretizado, o ódio e o sexo perpassam por toda a película(Buñuel chega a inserir em algumas cenas objetos com aparência de órgãos genitais, como em um momento que mostra os dois namorados beijando-se impetuosamente). Mesmo que os impulsos irresistíveis façam com que o protagonista caia nos braços do personagem principal feminino do filme, esta nunca está satisfeita com o seu amor. Além de cenas que sugerem a masturbação da personagem, (como a que ela chupa os dedos de uma estátua), no final ela o abandona para se unir a um regente de orquestra. O anti-herói dá vazão a toda a sua fúria jogando para fora da janela uma árvore em chamas, um bispo e uma girafa de pau.

Aqui as imagens não querem soltar apenas o inconsciente, mas também libertar os homens das amarras sociais impostas pela sociedade, pelas instituições (mesmo que não haja significados, a não ser os que repousam na psique de cada um). Numa das cenas, durante uma elegante reunião de burgueses, vê-se atravessar pela sala carroças dentro das quais trabalhadores bebem vinho tinto. A indiferença com a aristocracia presente trata desse fato é a mesma com que numa outra cena uma mulher ordena para que uma vaca deitada em sua cama se retire do quarto.

No final, uma rebelião extermina centenas de pessoas por causa dessa indiferença toda. Os quatro sobreviventes desse massacre, após 120 dias de orgia (trecho adaptado da história de Sade), são vistos saindo do castelo em direção à Paris, guiados pelo Duque de Blangis com uma indisfarçável aparência de Jesus Cristo (o próprio!). Desfecho brilhante e totalmente coerente com os propósitos do mestre do surrealismo sempre disposto a construir suas provocantes críticas à sociedade, no caso do final de A Idade de Ouro, uma cena que mereceu de Henry Miller um artigo intitulado com muita propriedade de Orgia Divina.

Para encerrar exemplificando toda a polêmica desse filme, basta dizer que, depois que os cinemas na estréia do filme tiveram suas sessões impossibilitadas pelos atos de vandalismo dos radicais que destruíram poltronas e atiraram bombas sobre a tela, A Idade de Ouro foi interditado na França por cinco décadas inteiras! Depois desses filme, Buñuel teve que partir para a Espanha, onde assumiu de vez uma tomada de consciência social realizando um documentário sobre as péssimas condições uma região miserável de seu de seu país, visto por muitos críticos quase que como um prenúncio do terror da Guerra Civil Espanhola. De qualquer modo, sem conseguir financiamento para filme qualquer na Europa, acabou indo para o México, onde começou realizando filmes comerciais, melodramas musicais baratos. Mas sua força criadora permaneceu viva e, quando no mundo civilizado ninguém lembrava mais dele, ressurgiu realizando grandes filmes que jogaram os holofotes novamente em torno dele, possibilitando que ele retornasse à Europa para realizar na Espanha a obra-prima Viridiana, prontamente causadora de muitas polêmicas e logo proibida, o que fez com que Buñuel se retirasse da Espanha novamente para regressar ao México e dirigir o seu melhor filme: O Anjo Exterminador(comentado outro dia aqui nesse blog).






segunda-feira, 11 de junho de 2007

Crônica do Dia dos Namorados

Posso levantar as mãos para o céu e agradecer pelo lucro que tive nesse 12 de junho Dia dos Namorados. Se eu tivesse namorada, teria que gastar uma boa porcentagem de minha renda em algum presente muito bonito (e consequentemente caro): um perfume sofisticado, uma lingerie atraente... Em vez disso, pude me dar ao luxo de investir meu escasso dinheirinho em doze dvds que comprei da loja virtual da 2001 para pagar parcelado no cartão de crédito. Se a VISA não tiver que colocar a Policia atrás de mim para me cobrar caso eu não puder pagar esses filmes, nos próximos meses terei praticamente um acervo inestimável de clássicos do cinema:alguns dos primeiros filmes de David Lean ( Grandes Esperanças e Uma Mulher do Outro Mundo), dois Hitchcock da fase inglesa ( Sabotagem e Jovem e Inocente), três clássicos da dupla de realizadores Michael Powell e Emeric Pressburger (Coronel Blimp – Vida e Morte, Narciso Negro e Sapatinhos Vermelhos), Henrique V, de Laurence Olivier, a produção alemã O Tambor, o japonês Furyo – Em Sua Honra. O extraordinário Sindicato de Ladrões, que em seu estupendo argumento tem, entre outros méritos, pela primeira vez apresentar Marlon Brando apanhando que nem mulher de brigadiano (acreditem, a partir desse filme isso se tornaria constante na carreira de Brando, que na maioria de seus filmes insistia com os diretores para que adicionassem cenas de agressão sadomasoquistas sofridas por seus personagens), E para coroar esse conjunto de obras-primas que presenteei a mim mesmo em pleno mês do Dia dos Namorados, um cult contemporâneo (e imprescindível) de David Cronenberg (para mim, o melhor filme do diretor canadense): Mistérios e Paixões. Para quem não conhece, essa adaptação da obra do escritor beat William Burroughs é sobre um escritor que trabalha como exterminador de baratas, cuja esposa é viciada no inseticida com que ele trabalha. Um delírio surreal que envolve insetos que falam, máquinas de escrever cujas teclas literalmente brigam com o escritor, tudo pontuado sob um belíssimo sax da trilha jazzística. Impagável.

Enfim, doze de junho é o melhor dia do ano para não se ter uma namorada. Não que eu abomine namoros ou namoradas. É que simplesmente detesto datas comerciais como essa ( da mesma forma forma que não vejo graça nenhuma nem no meu aniversário, que para mim é uma data qualquer), bem como o Natal, Ano-Novo, Páscoa, etc. Sou pobre de nascimento e solteiro por convicção. Considero-me um cara legal, um sujeito realmente bacana, porém nenhuma mulher me suportaria mais do que dez horas seguidas. Gosto de mulheres e de relacionamentos, mas prefiro construir sólidas histórias de amor com as que tenho afinidades pessoais e oportunidades de convivência, sem necessariamente ter que me prender à compromissos morais que estejam à um passo de algo próximo do que é o matrimônio, ou estar atado à fortes laços que ocupariam um espaço imprescindível de minha privacidade. Preciso de tempo para os livros que ainda tenho que escrever, ao mesmo tempo em que não posso abrir mão das muitas horas necessárias para deglutir a quantidade ilimitada de obras cinematográficas que ainda tenho que ver/rever. Sem falar nas mulheres com as quais não possuo afinidade nenhuma, cujos níveis culturais estão abaixo de zero, e que infelizmente parecem compor a estúpida maioria da ala feminina que nos últimos anos foi educada por uma novela de conteúdo tão tosco e de profunda superficialidade como (apenas para citar um exemplo) o seriado de TV Malhação. Uma pena que um programinha desses pareça ter definido o padrão de estilo de garotas da atualidade. Não que seja necessário que as mulheres conheçam a obra de Dostoievski do primeiro ao último volume. Porém um mínimo de afinidade é primordial para o estabelecimento de uma relação, para o surgimento de uma cumplicidade, um envolvimento maior. Como conviver com uma mulher que não está nem aí quando tentamos convencê-la da grandeza dos filmes de Stanley Kubrick (apenas para citar mais um exemplo óbvio)? Ou da maravilhosa obra de Luchino Visconti? Ou com aquelas que não querem nem ouvir a hipótese de ler os escritos cintilantes de Clarice Lispector? O pior é quando se fala em baladas...Apesar de gostar de beber e sair á noite, odeio esse tipo de lugar onde cobram uma entrada caríssima para ingressar num salão com música horrenda tocando altíssimo, tornando inviável qualquer conversa que se queira estabelecer, pois é praticamente impossível escutar o que a pessoa ao lado diz.

Mas não sejamos tão pessimistas. A par de minha vontade em escrever um texto com a minha peculiar e sombria visão niilista do mundo, existem sim mulheres maravilhosas cujas companhias são um privilégio indescritiveis para nós homens. Mas que nesse Dia dos Namorados eu tive um lucro e tanto, isso eu não poderia negar.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Armadilha Poética

Nesse final de semana entrou no ar um novo site sobre cinema, música e literatura, o Armadilha Poética, do qual sou um dos colaboradores. Quem curte esses preciosissimos temas não pode deixar de conferir. Vão por mim. O site está muito bom e promete melhorar cada vez mais. Tenho certeza que a idéia vai se desenvolver cada vez mais e que o projeto renderá grandes frutos, vai se alastrar e se estabelecer no mundo virtual como mais uma importante janela de acesso ao fabuloso caldo cultural do mundo do cinema, literatura e música. Nesse primeiro momento inclui, entre outros textos:

Crítica : Certamente, o sol brilhará hoje! (por Marcel Alan) – Sobre o ótimo disco Sky Blue Sky, da banda Wilco, que chegou às lojas dia 15 de maio

Entrevista(por Marcel Alan) : Filipe Consoline, vocalista da banda Mono.tune

Crítica : O Tigre e a Edição (por Raquel Araujo) - Análise de alguns aspectos do clássico Apocalypse Now.

Resenha : Um Crime Delicado( por Marcel Alan)- Resenha do instigante, sugestivo e enigmático romance de Sérgio Sant'Anna

Esquina Literária( por Beatriz Bajo) - Espaço da comunidade criada no orkut por dois escritores insatisfeitos por não poderem divulgar seus poemas e contos livremente.

Obrigado por fumar ( por Fernando Braz) - Texto sobre o filme do diretor Jason Reitman, Obrigado por fumar narra a história de um cidadão sem diploma, divorciado, com seus 30 e poucos anos e um enorme talento para a retórica.

Enfim, a equipe do Armadilha Poética conta com com colaboradores de GO, MG, MS, PR, RJ, RS e SP. De acordo com a página inicial do site, para retratar as cenas culturais dessas cidades, cada visitante poderá ser pró-ativo avisando de qualquer show, sessão de autógrafos e festivais de cinema que lhe parecerem interessantes.

O site promete. Não deixe de acessar:
http://www.armadilhapoetica.com/

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Parabéns Sgt Peppers - 40 anos



Hoje vou fazer uma pausa em minhas resenhas cinematográficas para falar da celebração dos 40 anos de lançamento do Seargent Peppers Lonely Hearts Club Band. Quem leu meu primeiro post no blog deve lembrar que meu objetivo era escrever sobre os mais diversos assuntos culturais, no entanto a absurda quantidade de obras cinematográficas que tenho consumido me faz esquecer de qualquer outro interesse a não ser filmes e mais filmes para escrever nesse espaço. Porém hoje não poderia deixar de destacar a data do aniversário do fabuloso disco dos Beatles lançado há exatamente quatro décadas.

Pra começo de conversa, antes de falar do disco deve-se realçar a devida importância dos Beatles para o mundo contemporâneo. Á principio quase ninguém discute sobre essa importância do grupo, a maioria está cansada de saber o que significa o quarteto inglês, porém geralmente aparece algum desavisado para contrariar o consenso universal da reconhecida grandeza dos caras. Eu mesmo fui um que custei a enxergar o que hoje sei que é tão óbvio. Lembro de que na infância e em grande parte da adolescência só conhecia deles as baladinhas da primeira fase, trechos de canções que me pareciam tão pegajosas que não me despertavam interesse nenhum em correr atrás para ouvir as obras do grupo. Porém, no decorrer de certo tempo, deu-me um estalo, algo se iluminou, e eu comecei a pensar que Beatles não poderia ser só isso que eu pensava, deveria haver algo mais por trás daquelas pueris aparências, tive ainda que tardiamente minha curiosidade impelida em direção à descoberta do maior acervo da música pop de todos os tempos. Então acordei um belo dia num principio de tarde após na madrugada anterior ter assistido ao já clássico Quase Famosos, de Cameron Crowe (não é por nada não, mas parece que minha vida toda gira em torno do cinema [Risos]), sai da casa para comprar dois discos (em vinil) do Beatles e foi só retornar ao meu quarto e colocar a primeira faixa do Abbey Road e deixar o disco inteiro rodando que o resto é história. O outro disco que havia comprado era uma coletânea de singles da primeira fase do grupo, onde também liquidei os precipitados julgamentos que tinha de que aquilo não prestava. Perdoai-me Deus, como eu estava enganado!

Qualquer pretensão de explicar em detalhes ínfimos sobre a citada importância dos Beatles não caberia em tão reduzido espaço desse blog nem em site algum da internet. Pode-se dizer que foi a primeira ( e talvez única) banda formada por quatro instrumentistas/cantores/compositores. Mais do que isso, dá para dizer que, para muitos especialistas, é bastante provável que o gênero conhecido como rock’n roll tivesse morrido sem o surgimento do Fab Four. Sim, porque nos Estados Unidos do inicio dos anos 60 só se fazia baladinhas quase sempre totalmente distantes dos aspectos viscerais que caracteriza o estilo (e que está inserido mesmo nos primeiros discos dos Beatles). Elvis Presley é uma prova disso naquela época e, consequentemente, todas as bandinhas que então surgiam em solo americano. Os grandes nomes do rock dos anos 50, em sua maioria, estavam se desgastando (se não artisticamente, pelo menos comercialmente), enquanto que outros trilhavam outros caminhos como o folk, blues, jazz, etc. Foi só os Beatles invadir a América em 1964 que a revolução sonora foi estourada. Ao ouvirem aqueles fantásticos álbuns do grupo de Liverpool, os mais inquietos artistas norte-americanos sentiram suas cabeças se incendiarem com novas e explosivas idéias (sem falar nas inúmeras bandas inglesas que seguiram as pegadas dos Beatles e transformaram o rock inglês num impressionanate caldo cultural que ainda nos dias de hoje sempre ressurge com força renovada) . Bob Dylan foi um dos primeiros a evoluir largamente lançando nos dois anos seguintes discos absolutamente marcantes.
O mais importante é que os Beatles sentiram esse efeito renovador que suas pegadas na América haviam deixado e trataram logo de não deixar de renovarem-se a si mesmos. Parece que foi Dylan quem apresentou as drogas aos caras de Liverpool, mas mais do que isso, eles abandonaram o romantismo e as características descompromissadas dos primeiros discos para elaborarem um álbum onde iniciam uma fase mais psicodélica e progressiva: Rubber Soul, onde as canções passaram a ter uma maior forma de expressão artística e política, com evidente influência de drogas lisérgicas em algumas letras. Esse álbum extraordinário encantou a muitos, principalmente à Brian Wilson, compositor dos Beach Boys, uma das tais bandas de baladinhas de sucesso na época. Influenciado por Rubber Soul, Wilson caiu de cabeça na criação Pet Sounds, absolutamente revolucionário, pode-se dizer superior a todos os discos até aquele momento lançados pelos Beatles. Acompanhando aquelas transformações musicais, não demorou muito e os ingleses lançaram algo comparável, o clássico álbum Revolver, que desde então para sempre é e será um dos dois ou três preferido de todo beatlemaniaco. Ainda sob o impacto de Pet Sounds (e do primeiro e estranhíssimo primeiro disco de Frank Zappa lançado na época), foi Paul McCartney quem concebeu a criação do disco que hoje completa quarenta anos de lançamento, com a idéia de criar um álbum conceitual em que, além de arranjos complexos e inéditos na música pop, as canções formassem quase que uma linha condutora entre as faixas. Foi o primeiro disco gravado em quatro canais. Há quem diga que o rock progressivo surgiu a partir de uma interpretação "alternativa" de Sgt Peppers.



Sabemos que os Beatles eram uma banda em que todos, em maior ou menor grau, tinham espaço para compor, e mais do que isso, que os àlbuns eram basicamente compostos pela dupla Lennon/McCartney. Só que naqueles idos de 1966, Lennon começava aos poucos a se desinteressar da banda por ter conhecido Yoko Ono, ele próprio em uma futura entrevista confessaria que não estava muito inspirado para compor naqueles anos entre 1966 e 1968. Coube à McCatney a tarefa de superar o Pet Sounds do Beaches Boys. E o fez de tal modo que Brian Wilson (lutando para compor Smiley Smille, álbum cheio de experiências sônicas em que pretendia superar a notável qualidade de Revolver) literalmente pirou ao escutar Peppers no lançamento do álbum. Wilson colocou fogo nas fitas do Smille, acreditando que jamais superaria o nivel de criatividade dos Beatles. Depois de alguns meses, a banda refez o trabalho queimado por Wilson, porém os resultados fiqueram bem aquém do esperado.

O disco começa com uma autêntica apresentação do álbum, a faixa-título Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band, composta e cantada por Paul, com seus ruidos, afinação de instrumentos( retirada da afinação dos instrumentos da orquestra no inicio da gravação de A Day in the Life, a última do disco) e a poderosa guitarra dessa empolgante e vertiginosa canção já diferente de tudo que os Beatles haviam criado anteriormente. Vários musicos da Orquestra Sinfônica de Londres foram recrutados para formar uma equipe de metais e roconstituir o clima das bandas de fanfarra dos parques antigos, com os aplausos e risadas das platéias. A idéia era fazer um álbum como se todos eles fossem a Banda de Sgt. Pepper's (ou Banda do Clube de Corações Solitários do Sargento Pimenta), porém o conceito foi abandonado a partir da segunda canção, que se inicia quando Paul apresenta Billy Shears, encarnado por Ringo Star que canta com perfeição ( seguindo a primeira música sem fazer pausa, como se fosse um único tema) a comovedora A Little Help from My Friends, composição de Paul com uma ajuda de John na letra. Uma canção telúrica sem igual sobre o valor dos amigos, que ilustra aquelas épocas em que cremos que as amizades são eternas, quando andamos em bando com meia-duzia com quem sempre podemos contar. Há dias, com muita frequencia para falar a verdade, em que a considero a melhor do disco. Essa música ficaria ainda mais famosa em 1969, no Woodstock, com a performance de Joe Cooker. Realmente Cooker interpretando ela em Woodstock é uma das imagens mais famosas da música pop do século XX, mas de maneira alguma seria superior à versão do Sgt Peppers, como muitos pretendem. A Little Help fro My Friends também daria origem a mais bela versão de qualquer música dos Beatles para o português, na adaptação de Paulo Cesar Pinheiro que se transformou em O Que Vale é a Amizade, lindamente cantada pelo MPB-4. O trio matador de canções que abrem o Lado A se encerra com Lucy in the Sky with Diamonds, a mais estranha, lisérgica e psicodélica composição dos Beatles, umas das poucas de autoria de John Lennon no álbum, banida da BBC por causa de supostas referências ao LSD ( acomeçar pelas iniciais). Olha, apesar de conhecer toda obra dos Beatles, eu nem tenho certeza se Sgt Peppers é o melhor disco deles, no entanto posso afirmar com total segurança que essas três canções iniciais são o melhor trecho, a melhor sequencia de músicas de qualquer disco da história do rock. Não é brincadeira.



Paul foi o autor das três canções seguintes: Getting Better, Fixing A Hole e She's Leaving Home. Todas melodicamente sofisticadissimas, estranhamente belas em seus arranjos bastante anticonvencionais. Getting Better, um canto alegre e feliz ao som de uma constante guitarra, foi inovadora, sobretudo, pela participação de George Martin tocando não as teclas, mas as cordas do piano. Fixing A Hole se refere ao buraco por onde a chuva entra, fazendo uma brilhante analogia com o buraco mental que faz a mente vagar, sem seguir em frente, porém muitos interpretaram como uma viagem de Heroína. She's Leaving Home é uma das mais melancólicas do álbum, inspirada numa história que Paul leu em um jornal, sobre a fuga de uma garota de dezessete anos que abandonou a casa de seus pais, o que deu margem para uma reflexão sobre a distancia na comunicação entre as gerações de pais e filhos. No vocal, a voz de John foi gravada duas vezes e sobreposta ao backing original dele e de Paul, criando um efeito incrivelmente metálico e melódico. Lembrando que eles só trabalharam no vocal um tempo depois que a melodia foi gravada, junto com dezenas de músicos tocando cordas, harpa, violinos, violoncelos e contrabaixos. Em contraste à extrema melancolia da faixa anterior, a seguinte, Being For The Bennefit of Mr. Kite!, composta por John, logo em seus segundos iniciais explode numa intensa sensação circense, como pretendida por John, popular e erudita ao mesmo tempo, em alguns momentos alcançando um efeito de tontura digno de um carrocel. Para tanto, George Martin cortou uma das primeiras gravações da música e depois remontou-a em trechos aleatórios. Martin intitulou a canção de "Salvador Dali Oral".

O Lado B começa com a mais exótica do disco, Within You Without You, a única composição de George Harrison incluida no álbum, em que ele contou com vários músicos indianos amigos seus para os arranjos da insólita faixa. Nos dois discos anteriores, George começou a ter um espaço maior para incluir suas composições ( em Revolver, duas ou três são deles) e nos álbuns seguintes cada vez mais ele se destacaria, sempre exigindo um espaço maior dentro do grupo, só que em Sgt. Peppers uma música está bem demais para George, porque o disco é um trabalho conceitual saido da cabeça de Paul, e provavelmente George nessa época não teria muito ao que acrescentar às composições de Paul. Particularmente, essa música composta por George é a que menos me agrada no disco, raramente conseguindo me empolgar quando escuto o divino álbum. Na melhor das definições, pode-se dizer que essa canção caiu muito bem no clima de estranheza que o disco sempre desperta em que o ouve. Para compensar o clima pouco vibrante da canção de George, a simpática faixa seguinte, When I'm Sixty-Four, que Paul escreveu referindo-se a uma história de amor, é uma das que mais desperta reações de entusiasmo com o seu magnifico ritmo alegre e contagiante, ainda que sempre carregando numa certa melancolia. Um dado incrivel que comprova a estupenda sabedoria musical dos caras é quando na segunda parte "We shall scrimp and save" eles repetem vocalmente o mesmo acorde de guitarra de um dos primeiros versos ("You'll be older too"). Paul (num impressionante momento criativo de sua carreira) também compôs a faixa seguinte, Lovely Rita, sobre as moças que nos Estados Unidos trabalham como fiscais de trânsito e multam os motoristas que estacionam mal. O que começa como uma canção de ódio por Rita ter multado Paul transformá-se numa canção de amor, porque Paul revolve amá-la e reconhece que ela é uma garota legal que só estava cumprindo a lei. Dentro de outro dos mais efuziantes momentos do álbum, Paul, John e George friccionam pentes contra papéis para produzir um estranhissimo som de "cha cha cha". Estranha é a composição seguinte, Good Morning, Good Morning, de autoria de John, que começa com o canto de um galo. À principio uma canção bastante simples que resultou vertiginosa com a sobreposição de inúmeros efeitos sônicos, principalmente com os sons de todo o tipo de animais, recriando o clima de um amanhecer de uma fazenda. A partir do último carcarejo do galo, traça-se uma genial fusão com a primeira nota de guitarra do álbum, iniciando-se uma reprise da faixa Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band, depois que Paul conta até quatro para o bis, só que agora num andamento mais acelerado, sem os metais da abertura e com os quatro cantando.
Antes que os sons desapareçam por completo, entre os aplausos do público, surge a mais polêmica das faixas, e talvez a melhor de todas, A Day in the Life, a mais complexa de todas as gravações realizadas, nascida da junção de uma música composta por John e outra composta por Paul, resultando num perfeito acoplamento musical. A letra é uma colagem de noticias de jornal sobre gente de todos so dias. No meio da canção, os instrumentos atingem sua nota mais alta e em seguida são interrompidos pelo toque de despertar de um relógio. Segue-se então um trecho cantado por Paul até retornar a voz de John. A canção termina com um Mi-maior tocado em três pianos diferentes, seguido de uma enigmática e majestosa mistura de sons de deixar qualquer um zonzo. Também chegou a ser banida das rádios inglesas por causa de referências de drogas em vários de seus versos.


Para encerrar a descrição sobre o disco, não poderia faltar referências a extraordinária capa do álbum. A idéia inicial foi do Paul, que imaginou uma ilustração com uma multidão numa praça assistindo a uma apresentação da Banda Sgt Peppers. As idéias foram evoluindo até que o próprio Paul sugeriu que cada um da banda escolhessem personagens históricos para figurar na capa. Foram selecionados setenta personalidades famosas de todas as épocas para servir de fundo aos quatro beatles com uniformes de sargentos. O trabalho da capa foi feito por Peter Blake. O resultado é a obra de arte que ilustra o álbum. Pena que em tempos de CD, a mídia atual é reduzida demais para se apreciar toda a dimensão da arte da capa. Menos mal que, depois de anos de espera, consegui adquirir não apenas um, mas dois exemplares em vinil que fazem com que se enxergue toda a grandeza da imagem que entrou para a História como um dos ícones do século XX. Não me desfaço desses exemplares em vinil nem por nada nesse mundo.

DOWLOAD DO DISCO ( retirado da comunidade do orkut Discografias http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=6244330&tid=2476006265582940648&na=2&nst=160:

http://www.4shared.com/dir/2854859/2aebbcb9/The_Beatles_-_Sgt_Peppers_Lonely_Hearts_Club_Band.html

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