domingo, 27 de maio de 2007

O Anjo Exterminador


Luis Buñuel passou para a história do cinema como o autêntico “mestre do surrealismo”. Uma definição categórica que peca pelo simplismo da afirmação, que, entretanto, não deixa de ser verdadeira. Na real, o surrealismo puro de Buñuel está em O Cão Andaluz, o delirante curta totalmente formado por idéias desconexas que o cineasta espanhol alinhou com perfeição em seu trabalho em conjunto com Salvador Dali. Daí em diante, Buñuel faria filmes menos anticonvencionais, porém quase sempre inserindo em maior ou menor grau a carga de surrealismo que ficou marcado em sua persona cinematográfica.

Legitimo cineasta cidadão do mundo, cigano que realizou obras-primas na França, Espanha e México, foi no Terceiro Mundo do país latino-americano que, entre outros filmes, realizou uma das obras indispensáveis da sétima arte: O Anjo Exterminador. A principio visivelmente inspirado no clássico A Regra do Jogo, no filme de Buñuel pessoas da alta sociedade se reúnem para jantar na casa de uma família burguesa. Até ai tudo bem, o espectador desprevenido poderá até se cansar nos primeiros 20, 30 minutos assistindo as mordomias dos milionários superficiais em cenas registradas pela câmera do extraordinário fotógrafo Gabriel Figueroa. Mas por alguma razão, depois de terminado o jantar ninguém consegue sair da casa, o que era uma reunião de confraternização entre amigos se transforma em um pesadelo, uma realidade na qual nenhum deles consegue escapar. O fato deles simplesmente não conseguirem sair do casarão é absurdamente surreal porém vai se camuflando de concreto de uma forma sutil e genial, quase que uma verdade absoluta que obrigam a todos a aceitarem a situação sem questioná-la. Noite após noite, dia-a-dia como em um dos tantos realites-shows da era moderna, tensos, assustados, enclausurados, com sentimentos de claustrofobia e tudo o mais, cada um dos convivas vai perdendo a educação, o refinamento, os bons-modos, as boas maneiras e os costumes delicados, cedendo lugar para a selvageria adormecida dentro de todo ser humano, assumindo de vez atitudes animalescas que lhe são inerentes em busca da sobrevivência. Cada um deles perde a preocupação com as elegâncias do vestuário e com a higiene, o que antes pareciam ser um grupo de pessoas organizadas, elegantes e regradas revelam-se diante dos outros certos desleixos com roupas e aparências, cabelos despenteados, barba por fazer, todos imundos, famintos e desesperados. É espantoso que naquele antro de homens e mulheres grãos-finos se manifestem a total falta de controle sobre os rumos imprevistos que suas vidas vão tomando, a desorganização e incapacidade com que enfrentam aquela situação aparentemente tão normal que se lhes apresenta tão incomum, tornando-se cada vez mais caótica. Ao se obrigarem a se despojar da luxuria e do conforto, a loucura vai tomando conta de cada um dos personagens principais, que antes tão polidos, gentis e educados com os colegas, abandonam de vez toda a falsidade para se jogarem impropérios na cara do outro, entregando-se à total desconsideração ao próximo.

Detalhe: os mordomos e empregados haviam se retirado da casa no meio do jantar, no inicio do filme, deixando os anfitriões e seus convidados à mercê da própria sorte. Entregues a si mesmos, sem o amparo e os préstimos da classe trabalhadora, aqueles burgueses do filme de Buñuel são incapazes de se virarem sozinhos, sem condições de saírem daquela casa cheia de portas como se estivessem naufragados em uma ilha qualquer. Em certo momento um dos personagens comenta como na verdade é fácil demais sair à hora que se quisesse daquela residência, porém o surrealismo de Buñuel faz com que a afirmação soe totalmente falsa transformando a possibilidade onírica do enredo do filme numa metáfora do mundo social em que a classe alta sente dificuldade (ou mesmo impossibilidade) de contornar e superar qualquer problema sem a ajuda e resolução de seus empregados da classe baixa. As situações absurdas enfileiram-se diante do olhar espantado do espectador: os surtos dos personagens os levam a quebrar a parede para achar água enquanto que na cozinha onde se encontram ursos e cabras há água à vontade para beber em copos de cristal. Enquanto as máscaras caem, eles vão lutando por beber os goles d’água. O sarcasmo e ironia do diretor estão em cada frame do filme.

Dez anos depois, residindo na França, Buñuel retomaria uma premissa bastante parecida com ainda mais humor surrealista na delirante comédia O Discreto Charme da Burguesia, mais uma mescla de sonho e realidade como veiculo de símbolos e metáforas.

sábado, 26 de maio de 2007

Jean Renoir - A Regra do Jogo




Depois do enorme sucesso internacional de A Grande Ilusão (premiado em Veneza e indicado ao Oscar), Jean Renoir faria, dentre outros filmes, a sua obra-prima definitiva (para muitos, a maior do cinema francês): A Regra do Jogo. Infelizmente, nenhum outro filme do diretor repetiria o sucesso comercial que o seu clássico de guerra alcançou em 1937. Transcendendo o realismo-naturalismo típico da escola francesa da década de 30, o diretor realizou em A Regra do Jogo um retrato extremamente ácido dos descaminhos da sociedade de seu país num dos momentos mais críticos de sua história, à beira do pesadelo do inicio da Segunda Grande Guerra. Renoir descreve com lucidez e crítica a burguesia como um bando de ociosos alheios aos problemas do mundo que só agem em torno de diversão, perversões e de furtivos encontros sexuais. O roteiro de tramas paralelas e múltiplos personagens vai desvendando e corroendo o carrossel de hipocrisias e máscaras, não poupando nem os criados, o "proletariado", que supostamente deveria escapar das críticas, devido à orientação socialista do diretor, mas mesmo assim são descritos como outros alienados que vivem tentando imitar os patrões, formando um fatal jogo de gato e rato em que as classes se interagem através da troca de fluidos corporais. O discurso conservador em torno da família, religião e amor é uma farsa, pois os únicos que sofrem é o aviador que atravessa o Oceano Atlântico, dez anos depois de Linderbergh (para muitos uma possível metáfora para o atraso do país ou da burguesia) e o motorista, os únicos que não seguem a regra não escrita, porém existente no jogo: você pode ter mil amantes, desde que não leve a sério nada. Eles levam a sério, são excessivamente sinceros em suas intenções amorosas e acabam se dando muito mal nessa surpreendente história de assassinato e luta de classes em um final de semana numa grande casa aristocrática.

Octave (interpretado pelo próprio Jean Renoir), parasita social que transita entre empregados e patrões naquela casa de campo de gente doida, porém respeitável, melhor amigo do aviador, queixa-se para este de sua infantilidade capaz de cruzar o Atlântico, porém incapaz de comportar-se com praticidade no meio social burguês, sempre perdendo o controle das situações que tem em mãos. Não é todo mundo que consegue com hipocrisia e cinismo evitar que a vida privada não interfira na vida pública em meio às verdades e mentiras, dissimulações e desencontros da regra desse fatal jogo de gato e rato, cuja lei proíbe que se misturem diferentes classes sociais. Desse choque, explodem na tela o drama e a comédia de mãos dadas, com resultados trágicos para que a ordem possa voltar ao seu principio original. Tudo porque uma esposa, insatisfeita com o marido burguês, pensa em abandoná-lo, sem saber a qual dos outros homens ela se entregará.

Na sua pretensão de unir tragédia e humor, Renoir conseguiu alcançar cenas altamente cômicas de perseguição nos salões daquela casa de campo. No entanto, por trás dessa comédia de equívocos, Renoir transgrediu os elementos populares da comédia comercial não deixando que se ofuscasse o inegável tom de sátira em cima dessa farsa com o quadro social de seu tempo. Conseguiu o resultado que almejou com tamanha perfeição que, poucas semanas depois, com o estouro da grande guerra, a censura militar francesa proibiu o filme por ser ultrajante ao seu país. Dizem que na estréia, houve quem tentasse atirar cadeiras na tela, e outros buscando colocar fogo na sala de cinema.

Uma história tão bem contada que nem mesmo assim Renoir prescindiu de seu inconfundível apuro técnico, trabalhando com luz natural, com os mais diversos movimentos de câmera que fluem livre e leve, usando também da profundidade de campo e de planos seqüências relativamente longos. Foi um dos primeiros a filmar em locações e a alternar cenas internas e externas.

Depois desse genial, impiedoso e distanciado estudo da luta de classes na França, Renoir teve que abandonar o seu país com a ocupação alemã e teve seu auge criativo interrompido. Transferiu-se para os EUA, onde dirigiu mais alguns filmes, porém todos inferiores aos principais que realizara na França, onde em 1935(dez anos antes de Roma, Cidade Aberta) havia sido o precursor do neo-realismo com o clássico Toni. Nesse filme e em outros seguintes, ele teve como assistente o jovem Luchino Visconti (então de passagem pela França), que influenciado pelo mestre francês, seria o verdadeiro iniciador do neo-realismo na Itália (junto com Giuseppe De Santis), antes mesmo de Rosselini. Por seus filmes da década de 30, Renoir ainda seria ídolo de todo o pessoal da Nouvelle Vague, que detestavam os outros antigos cineastas franceses, mas não a Renoir. Claude Chabrol, por exemplo, chegou a dizer certa vez que já havia assistido A Regra do Jogo setenta e sete vezes. A Regra do Jogo serviu de inspiração para que Buñuel realizasse o seu melhor filme (O Anjo Exterminador) e foi praticamente refilmado por Robert Altman em Assassinato em Gosford Park (“Foi A Regra do Jogo que me ensinou as regras do cinema”, confessou Altman). Por essas e outras que quase sempre tem sido eleito em votações de tudo quanto é tipo de críticos como um dos dez melhores filmes da história do cinema.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Jean Renoir - A Grande Ilusão


Pretendia continuar escrevendo sobre os filmes mais superestimados do nosso tempo, porém desisti. Não que não seja algo importante. Como expliquei num comentário de um dos textos anteriores, para quem gosta de cinema, debater e expor idéias, é sempre estimulante a dissertação sobre qualquer obra, goste-se ou não dela. Só que já encheu o meu saco ficar escrevendo sobre filmes ruins. Para lavar a alma, vou me referir a um dos maiores cineastas de todos os tempos: Jean Renoir. Provavelmente um cineasta francês superior a qualquer conterrâneo seu que tenha feito filmes desde que Louis e Auguste Lumiere criaram oficialmente o germe do que hoje se chama cinema. Para alguns (como Peter Bogdanovich), é o maior diretor que já houve no Ocidente. Enfim, por mais que para alguns esses dados possam ser mais relevantes, pouco importa. O bom é dissertar sobre os melhores filmes que o sujeito realizou. Um deles, A Grande Ilusão, narra o esforço sobre-humano de um grupo de soldados franceses para escapar de um campo de prisioneiros na Alemanha.


Mais do que um filme de guerra, A Grande Ilusão impõe-se ao longo dos anos como um dos mais supremos manifestos antibelicistas do século XX. Um filme de guerra que (ao contrário dos clássicos norte-americanos do gênero) praticamente não mostra nenhuma cena com ação e metralhadoras, como que se Renoir renunciasse a tirar um aproveitamento estético de cenas de batalha para condenar a guerra, insinuando o conflito sem recorrer a imagens violentas que fossem provocar reações de entusiasmo no público. Por isso que para muitos espectadores (mesmo para os que amam esse filme), essa opção narrativa torna o filme um tanto monótono e arrastado, mas é que aqui o que importa é a fragilidade humana dos personagens em meio a um campo de prisioneiros na Primeira guerra Mundial. Outra das preocupações do cineasta (e que também incomoda a algumas pessoas) é que ele no microcosmo apresentado no filme retratou um mundo utópico em que inimigos de guerra se tratam com respeito e delicadeza. Um mundo de gentleman. Prisioneiros franceses e oficiais alemães entendem-se perfeitamente com extrema camaradagem e total cordialidade, tanto um quanto o outro lado em pleno acordo um com o outro apenas cumprindo um dever e esperando a guerra acabar. Essa abordagem em um filme do gênero faz com para grande parte das platéias atuais esse clássico de Renoir se apresente um tanto quanto pueril. É que o humanismo do diretor preza a nobreza acima de tudo. "Por mais incômodo que possa parecer, Hitler não modifica em nada minha opinião sobre os alemães", escreveu Renoir, que serviu no exército francês de seu país na Primeira Guerra. "Lutei na I Guerra e, tanto eu como meus companheiros, não sentíamos ódio dos alemães”. Mesmo que o resultado se torne ingênuo nesse ponto de vista, pois a visão de confraternização entre adversários seria desmentida logo a seguir na Segunda Grande Guerra e em todas as subseqüentes (todas retratadas em inúmeros filmes com o fetiche estético de violência que Renoir evitara em A Grande Ilusão), o antibelicismo da obra nada tem a ver com uma possível tentativa de união com o III Reich às vésperas da Segunda Guerra (como muitos insinuaram, chamando o cineasta de “germanófilo”), pois os próprios nazistas na Alemanha (e também na Itália e depois na França ocupada) proibiram o filme por seu inconfundível pacifismo, sua mensagem humanitária que subvertia os valores de guerra(Goebbels o definiu como "Inimigo número 1 cinematográfico")

Numa década em que o mundo estava dividido ideologicamente prestes a entrar em uma grande guerra, o que Renoir celebrou foi um mundo em extinção, o fim do cavalheirismo com o surgimento da barbárie e mau modo dos costumes que predominam desde a segunda metade do século que recém terminou. De fato a Primeira Guerra assinalou o desfecho da Belle Epoque e o surgimento de uma nova época, mais avessa ao fino-trato. Quanto ao filme, jamais uma produção do gênero guerra mostrou um conflito bélico com tão discreta grandeza e sobriedade de tom. Embora fosse um artista mais preocupado com o realismo-naturalismo de seus entretrechos, jamais se descuidou da técnica, sempre conservando especial atenção ao sentido plástico de suas imagens, o que se nota na utilização da profundidade de campo e sucessivos planos-sequências, com incrível movimentação de câmara e colocação dos atores em cena. Uma obra-prima.

sábado, 19 de maio de 2007

Filmes Superestimados (Parte 2)

Continuando no blog a série dos filmes superestimados dos últimos anos, irei fazer algo diferente. Vou contrapor um “clássico” moderno com um filme que quase ninguém conhece. Isso porque esses dois filmes, além de terem sido realizados no mesmo ano, versam sobre assuntos semelhantes, praticamente em torno do mesmo tema. Sempre lembrando que faço não exatamente uma análise técnica desses filmes, porém uma exposição das impressões que cada filme despertou em mim ao assisti-lo.

Matrix causou um estardalhaço muito grande quando foi lançado em 1999. Aclamado pela quase totalidade absoluta da crítica, sucesso mundial de bilheteria, embabascou meio mundo com sua mistura de artes marciais, filosofia, referências religiosas e místicas,influência dos quadrinhos e muitos outros conceitos divulgados à exaustão pelos críticos de plantão para alçar a produção dos Irmãos Wachowsky (que antes só haviam dirigido o interessante Ligados Pelo Desejo) à condição de maior evento cinematográfico do fim do século XX. Aqui no Brasil a Revista SET encarregou-se de ser a responsável pelos maiores elogios ao filme ditos por aqui, refletindo o que vinha virando tendência em publicações no resto do mundo. Já de saída falou-se em revolução cinematográfica, clássico instantâneo.

Enfim, às vezes tenho a impressão de que todo mundo gosta de Matrix. Menos eu. Deve ser porque eu não o entendi. Não fui capaz de chegar a tanto. Lembro que no lançamento em VHS cochilei entediado no meio do filme e tive que rebobinar a fita para não perder o fio da meada. Não adiantou. Deve ser difícil que nem filme de vanguarda, levando em conta os conceitos filosóficos que muitos juram que o filme possui. Devo precisar de burla para entender Matrix. Na época reli os textos dos críticos sobre o filme. Diziam tratar-se de um mundo alternativo gerado por um supercomputador que mantém os seres humanos presos e sob controle. Isso eu já sabia. Meses depois, dei uma segunda chance a mim mesmo (risos), e fui rever Matrix para reavaliar minha opinião. De nada adiantou: mais uma vez o odiei.

Durante cerca de uma hora o filme é chatíssimo, inócuo demais, nada acontece, aborrece muito e dá mesmo vontade de dormir. O que vemos ali é um verniz “cerebral” cheio de pretensões para fazer com que o espectador acredite que esteja vendo um filme por demais inteligente, cheio de conteúdo filosófico, meditações sobre o destino da humanidade etc. Depois dessa hora estafante vem um grande número de cenas de ação espetaculares, assumindo de vez a estética de videogame que o filme carrega. Se os efeitos especiais são espetaculares, isso confirma que os efeitos gerados por computadores estão evoluindo cada vez mais por causa dos bilhões de dinheiro aplicados na indústria. Porém um filme não pode ser apenas isso, e eu só aceito efeitos visuais que ajudem a contar uma história, não de um arremedo de tramas que sirvam para mostrar os tais famigerados efeitos. Configura-se diante dos olhos do público um espetáculo sensorial de muito mau gosto estético, em ritmo de videoclipe, imagens de videogame, reflexo de uma era dominada por tudo que é tipo de mercados publicitários. Até mesmo a trilha sonora não é mais que uma seqüência de sons para acompanhar os movimentos vertiginosos dessa montanha-russa cheia de adrenalina, fazendo com que se perca uma época em que clássico do cinema prezava em incorporar belas melodias à trilha que emoldurava cada uma de suas imagens. Como se isso não fosse o bastante, no final somos brindados com a célebre cena com Keanu Reeves se desviando de balas. Não gostei e muitos me explicaram (como se eu não soubesse) que aquilo acontecia porque o protagonista interage num mundo virtual. Isso quer dizer que os criadores do filme inventaram o conceito de universo paralelo como argumento para justificar os absurdos mais insanos do roteiro e entorpecer a platéia-escrava com os exagerados efeitos. Tudo porque é virtual. Por mais que uma ou que outra qualidade que Matrix possa carregar em suas entrelinhas, nada justificaria os vícios estéticos que, se com certeza já existiam muitos antes do lançamento de Matrix, fizeram com que se sobressaia cada vez mais nos filmes lançados após o primeiro volume da trilogia dos Irmãos Wachowsky.

É bastante curioso o fato de que também nesse distante ano de 1999, David Cronenberg ganhou o Urso de Prata em Berlim com o absurdamente desconhecido Existenz, um filme com um ponto de partida bastante semelhante ao de Matrix, em que os personagens também estão presos á uma realidade alternativa, só que em vez daquele supercomputador da história dos Irmãos Wachowsky, o mundo paralelo bolado por Cronenberg é a partir de um jogo de RPG. Um casal perseguido por fanáticos religiosos que os ameaçaram de morte experimentam na fuga um mundo de imagens simuladas pelo jogo onde o cibernético e o real parecem não existir, e onde nada é o que aparenta ser. Para interagir nesse jogo que, com a perseguição dos vilões, transforma-se numa disputa de vida ou morte, são necessários um console de videogame feito de DNA e órgãos sintéticos, conseguidos pela invenção de mutantes anfíbios, um orifício, similar a uma tomada, instalado no final da medula espinhal do individuo, e um cordão umbilical para conectar o console ao sistema nervoso central dos integrantes do jogo. Os extremistas que perseguem o casal responsável pela manutenção do jogo pretendem que liquidando com a dupla possam acabar com o tal jogo de realidade virtual para sempre. Pronto, com isso está desfeito a separação entre mundo virtual e o humano, a mesma premissa que o filme estrelado por Keanu Reeves.

A diferença básica entre os dois filmes é que aqui não somos bombardeados com o excesso de efeitos especiais na tela, em nenhum momento Cronenberg lança mão de um visual de games para fisgar platéias. A história flui levemente e envolve a todo o momento, sem nos deixarem entorpecidos com os vícios visuais de ultima geração. A estética é mais verossímil, o que aproxima ainda mais o mundo apresentado do filme ao próprio mundo em que estamos vivendo. Não há aqui a necessidade de lutas coreografadas, e tudo parece tão real e verdadeiro, suas imagens são despojadas e tampouco provocam náuseas. Também não há a monotonia irritante de Matrix, pelo contrário, Existenz passa rápido como deve ser uma diversão pura e simples que mesmo assim provoca reflexões (como o pretendido por Cronenberg, aqui num de seus filmes mais acessíveis, menos esquisitos), só que sem o peso de pretensões que o roteiro do outro filme carrega. E como nos encantamos com os heróis e torcemos por eles, na certa porque são interpretados por gente tão talentosa, simpática e natural quanto Jennifer Jason Leigh e Jude Law (além de Williem dafoe e Iam Holm, que também estão por ali), e não pelo sisudo e esforçado Keanu Reeves com cara de messias (ator e filme em Matrix se levam á sério demais). Por fim, no filme de Cronenberg são os momentos dramáticos que nos tiram o fôlego, e não as cenas de pancadarias irreais e inverossímeis de tantos filmes pós-modernos.

Se Existenz é superior, então porque matrix é que foi um sucesso tão grande e se tornou um jargão na boca do povo? Deve ser porque Matrix teve toneladas de publicidades investidas por um grande estúdio e, aliado ao peso do nome de Keanu Reeves à monstruosa campanha de marketing funcionou para transformar matrix em grife e atrair o grande publico. Sei lá. Mas que Existenz é melhor, isso é.


sábado, 12 de maio de 2007

Filmes Superestimados (Parte 1)


Depois de vários dias afastado do blogger devido a eu estar ocupado com a leitura de livros importantes, assistindo muitos filmes antigos, estudando e trabalhando, eis que chego por aqui para colocar as coisas em dia. Não tem sobrado tempo. Enfim, voltando a escrever sobre cinema, vou discorrer sobre dois ou três dos, a meu ver, mais superestimados filmes da presente década. Começo hoje com o badalado Kill Bill, a história de vingança engendrada por um dos mais cultuados cineastas do momento, um filme que não me desce bem goela abaixo.

Quentin Tarantino conseguiu criar uma aura tão grande em torno do seu nome (e, consequentemente, um enorme número de admiradores) que qualquer filme seu costuma provocar reações superlativas em seus fãs. A maioria dos atores beijam-lhe os pés e fariam qualquer coisa para trabalhar em algum de seus filmes. Tá certo, tá certo, ele estreou muito bem com Cães de Aluguel, criou uma obra-prima com Pulp Fiction e agradou bastante com Jackie Brown e em um dos episódios de Grand Hotel.

Águas passadas. O Tarantino de Kill Bill só quer divertir. Nisso não há problema, desde que seus admiradores não queiram elevá-lo à categoria de obra de arte única! O diretor pegou o batido tema de vingança a qualquer preço e criou um fiapo de roteiro, uma colcha de retalhes que comprova que Tarantino é cult por ser pop. Para garantir o interesse, usou de cores fortes, temas musicais de faroeste-espaghete e encheu sua obra de referências a filmes orientais de kung-fu. São pormenores gratuitos para arrebatar o espectador e que conferem um forte artificialismo que pouco ou nada acrescenta a esse filme vazio. No passado, Sérgio Leone também se serviu de vários filmes para compor o seu Era Uma Vez no Oeste. Só que o diretor italiano teve a capacidade de assimilar com tamanha perfeição essas referências que não precisamos saber delas para apreciar o espetáculo e a maioria dessas referências não são percebidas nem por espectadores mais atentos que assistiram aos filmes que inspiraram o seu faroeste magistral. Uma Thurman em Kill Bill veste o mesmo casaco amarelo que Bruce Lee usou em O Jogo da Morte, os fãs apressam-se em explicar. E daí?

Tarantino não soube justificar as influências no seu ultimo filme. No prólogo, Uma Thurman está em coma e prestes a ser estuprada por dois maníacos sexuais no hospital. Pois não é que a moça acorda e aniquila a socos e pontapés os seus dois oponentes, mesmo tendo passado cinco anos em coma.!! É uma cena tirada de um abacaxi qualquer de Steven Seagal e de vários congêneres. Se os filmes de Steven Seagal são (merecidamente) considerados uma porcaria, porque então Kill Bill é um filme tido como espetacular? Porque Tarantino é um gênio.

Se o elenco era uma das molas mestres dos filmes anteriores do diretor, aqui nem isso se salva. Atores e atrizes limitam-se a entrar e sair de cena quase sem chances de brilharem, apenas servindo de escada para as peripécias da Black Mamba interpretada por Uma. Kill Bill (ou Kill Bomba, como diria um amigo meu) é, na melhor das hipóteses, um filme de ação de luxo, descerebral, uma aventura cômica que só agrada a quem aceitar sua condição de paródia e não exigir nada demais e que, para muitos, tem certo charme por causa dessas famigeradas referências. Uma diversão charmosa e rasteira que muitos cinéfilos assumem sem culpa por causa do valor do nome de Tarantino (creio que se, amanhã ou depois Tarantino fizer um remake de O Ataque dos Tomates Assassinos, os fãs com certeza diriam que é obra de arte, obra-prima, etc.) Claro que os admiradores do cineasta vão se municiar de argumentos para defender o seu mestre. Vão dizer que o filme é uma homenagem, sátira, pastiche (pastiche, para mim, é um termo pejorativo e desagradável). Ah, como eu queria que esses fãs pudessem assistir Kill Bill sem saber quem é o diretor. Na verdade, o forte são os diálogos afiados que Tarantino escreveu e o seu domínio do ritmo e da técnica cinematográfica. Mas nada que dê para engolir outra cena ainda mais absurda que é quando Uma Thurman briga contra 24 marginais e liquida com cada um deles!!! É a hora em que o filme assume de vez sua condição de brincadeira pueril. Não seria Kill Bill uma versão feminina e atual de Rambo ao som de trilhas de western-spaghetti?

Um filme pífio que não dá para levar a sério. Por seus trabalhos anteriores, Tarantino chegou a ser premiado nos festivais de Cannes e de Berlin, mas com Kill Bill (depois de sete anos sem trabalhar) bem que ele merecia levar para a casa um Framboesa para ver se volta a fazer um filme bom de verdade. Tomara que tenha conseguido com o recentíssimo Grindhouse.

Movimento Cinema Livre

Movimento Cinema Livre - Orkut

---------------------------------------------------------------------------