Fiz um trato de amor com a mulher que sempre quis, aquela a quem continuamente desejei: tornei-me pequeno diante dela, tão minúsculo e diminuto que a mulher me pôs na palma de sua mão e riu com o destino ao qual eu havia me entregue. Pensei que se dedicaria a uma intensa contemplação amorosa, aproveitando o domínio que possuía naquele momento, porém ao invés do amor a mulher respondeu com um sorriso de desdém por eu ter descido tão baixo naquele meu permanente estado de pequenez. Eu sou aquele pontinho obscuro que quase ninguém enxerga. Era miúdo como a unha do dedo menor de um menino.
A mulher quase que balança a cabeça, e com o pouco caso de quem está com pressa de se descartar de algo inútil e sem valor, verifica pelos cantos um local onde pudesse me deixar enquanto não se livrasse de mim em definitivo.
Por fim, encontra um quase vazio copo de whisky sobre a mesa, e sem alternativa para o momento, me despeja com um bocado de indelicadeza para o interior do copo semivazio, pega a bolsa e sai para o trabalho. A bebida seria o equivalente a dois dedos normais de um homem, eu estava seguro; no entanto, o confinamento levou-me às lágrimas e eu chorei. A água caída dos olhos não era proporcional ao corpo diminuído de tamanho e mais um pouco eu me afogo.
Amar uma mulher e não amar a si mesmo é como correr em direção oposta à linha de chegada. Igual a querer abraçar a mulher amada sem ao menos levantar os braços para cumprir o gesto desejado. O amor nasce em nós mesmo e só dentro da gente ele se concretiza. Dois Narcisos nunca se odiarão. Narciso cansou de ficar olhando apenas para si próprio no espelho do rio em movimento, mas em nenhum instante deixou de se amar em detrimento ao próximo.
Era noite e uma irmã bem menor da mulher que me guardara no copo apareceu e encarou-me através do vidro daquele invólucro, como se me enxergasse dentro de uma bola de cristal. "Mana, tem algo estranho no copo, uma sujeirinha, eu acho"! - avisou a menina para a mulher que voltara para casa. A mais velha não ouviu direito o que a outra dissera, percebeu apenas que se referia ao copo em sua mão, devia estar estressada devido ao cansaço estafante que a consumia, e mais ainda, deve ter se esquecido de mim, pois sem enxergar o pontinho escuro que boiava no whisky, ela pegou o recipiente dos dedos da menina e engoliu o resto de bebida que havia naquele copo que depois colocou sobre a mesa.
sábado, 11 de agosto de 2007
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5 comentários:
Lindo blog parabens os contos tambem..
E o homem foi engolido pelo desdém da mulher. Lindo conto!
O texto é bom. O Narcizismo é ruim.
...glup glup!!! bom o sabor da paixão masculina!!
bebo-te inteiro em copo-cálice meu...num ritual particular de quem comunga com líquido quente de um sangue que ainda não foi sentido...
água que se derrama por olhos abaixo
extasiante é como me encontro depois de um trago de whysky tão seu que é você...
besos guapísimo!
PS: achei que devia trazer pra cá!! ;)
Fez bem, querida, em transcrever o texto pra cá. Sua presença é sempre reconfortante, e sua prosa, essencial. Beijão
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