segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

revisão: OS BRUTOS TAMBÉM AMAM



Embora a intenção principal desse blog seja escrever sobre filmes mais obscuros, não resisti a vontade de discorrer sobre o clássico SHANE(1953), após revê-lo nesse último domingo, um filme que redefiniu e consolidou algumas das principais tendências do faroeste (cinquenta anos depois de O Grande Assalto do Trem ter inaugurado o gênero) e criou um dos mais célebres motes do cinema: o herói solitário vindo ninguém sabe de onde que chega em um local para livrar a população da opressão dos poderosos do lugar (um mote que seria repetido infinitas vezes em vários outros filmes posteriores, inclusive os de Sérgio Leone). Se por um lado isso por si só faz de Shane um verdadeiro marco, também não deixa de ser verdade que por ter sido tão imitado, copiado e retomado, o filme pode se apresentar aos olhos atuais como um tanto quanto datado e envelhecido, ainda mais pelo gênero ter tido tantas releituras mais cínicas e ultraviolentas pelas mãos de gente como Sam Peckinpah e do próprio Leone (bem como de todos os western-saguetti em geral). Soma-se a isso o fato de que George Stevens não é idolatrado pela maioria dos cinéfilos como um legítimo autor, não obstante os clássicos que realizou, o que faz com que seus filmes estejam num patamar de admiração menor do que mesmo os faroestes de outros cineastas mais consagrados. À parte disso, confesso que a principio o tom bucólico de OS BRUTOS TAMBÉM AMAM me incomodou, deixando o filme um tanto ingênuo e pueril, e a música de Victor Young estava me irritando. Mas não demorou muito para que as qualidades do filme se impusessem, confirmando que o filme ainda é um espetáculo notável. E mesmo a trilha de Young é muito bonita, evoluindo em meu conceito a medida que o filme estava crescendo. Uma tensão muito forte perpassa grande parte da obra como prova de que o brilho de um autêntico clássico jamais se apaga diante de seus sucessores e de suas imitações ao longo dos anos. Como já foi dito, o argumento é o mesmo de muitos outros faroestes que se seguiram, mas SHANE tem a diferença decisiva de ser mais tocante do que qualquer outro western. E tudo em SHANE se apresenta com harmonia. O roteiro é um dos mais bem construidos do gênero, a direção de Stevens é perfeita e a fotografia de Loyal Griggs é de encher os olhos, uma das mais belas do cinema. É a melhor já vista em qualquer exemplar do gênero. E eu não lembro de faroestes antes de SHANE ter um vilão tão assustador como o demoníaco pistoleiro interpretado por Jack Palance, uma figura esguia trajado de negro e sorriso cruel na face medonha, uma das mais fortes representações da morte no cinema. Um vilão que só poderia ter como antagonista um herói (encarnado por Alan Ladd) dos mais admiráveis, cheio de retidão, amargura e senso de justiça. Para no fim voltar ao desconhecido depois de ter livrado a população de todo o mal, baleado, ferido, numa bela cena de despedida, com Shane cavalgando para o mais longe possível, com o vale ficando para trás, bem distante...

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

O Planeta Fantástico



Um clássico do cinema fantástico que pouca gente viu(e que eu tive a oportunidade de assistir depois de, como sempre, fazer download via torrent na net) é La Planete Sauvage (no Brasil recebeu a tradução exata do título em inglês, Planet Fantastic), um longa de animação adulto de ficção cientifica de 1973. No Brasil, passou no cinema e dizem que foi exibido na TV Manchete nos anos 80 e saiu em VHS por uma distribuidora obscura. A história se passa no planeta Yagam, onde vivem humanóides chamados de Oms, onde são ou escravos ou feitos de animais de estimação pelos Draggs, uma raça de gigantes com mais de dez metros de altura, olhos vermelhos e pele azul. Um lugar indefinido em que os homens parecem insetos aos olhos desses seres gigantescos. Terr, um dos Oms acaba por receber educação e se revolta contra esses gigantes, reinantes no planeta. Um lugar indefinido em que os homens parecem insetos aos olhos desses seres dominadores. Rebelam-se quase que por acaso e descobrem o ponto fraco de seus dominadores. Premiado no Festival de Cannes em 1973, sucesso de crítica, os traços e a animação são considerados totalmente diferentes do padrão da época, e a história, visivelmente influenciada por Viagens de Gulliver e O Planeta dos Macacos, ainda assim é forte e original, com final inusitado. Dirigido por René Laloux, morto em 2004 e responsável por outras animações como “Os Mestres do Tempo” e “Gandahar”, todos de ficção cientifica, mas Planeta Fantástico é sua obra máxima. Vale ressaltar a inesquecivel trilha sonora, complemento perfeito às cores psicodélicas do desenho, típicas das décadas de 60-70.Talvez o melhor longa de animação de todos os tempos, produzido pela França e Tchecoslováquia, é tido como uma metáfora surrealista da ocupação russa na Tchecoslováquia. Mas isso não tem tanta importância assim. O essencial é o espectador se deliciar com essa obra-prima. Acima está o trailer no youtube, e para quem não quiser fazer download e preferir assistir na net mesmo, deixo um link com o filme inteiro no GoogleVideo.

http://video.google.com/videoplay?docid=-3064984200803032304

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

ZODÍAC, um genial filme de suspense


David Fincher é o cineasta da atualidade cuja obra eu acompanho com maior atenção. Ele foi uma revelação com Seven, e embasbacou meio mundo com o excepcional Clube da Luta. Desde então todos ficam a espera de cada novo filme seu, embora desde então ele só tenha feito O Quarto do Pânico, uma obra menor em sua filmografia e que só agradou a uma parcela da crítica e do público, mas não deixa de ser um filme que eu admiro muito. Quando soube que ele iria filmar Zodíac, confesso que não fui tomado de maior empolgação. Era um tema óbvio de serial killer e eu achava que com Seven o cineasta já havia esgotado o tema. Acreditava que Zodíac seria apenas uma tentativa de Fincher em criar um blockbuster e coletar milhões de dólares para ele ganhar credibilidade com os estúdios para que estes financiassem os projetos mais arrojados que Fincher tem em mente (como o aguardadísssimo The Curios Case de Benjamin Button, que já está sendo filmado). O diretor até poderia ter esse desejo mercenário quando colocou as mãos no projeto chamado Zodíac. Porém, quando se assiste ao filme que ele então dirigiu, o resultado é outro: Fincher sempre foge do óbvio e do convencional, não faz concessões comerciais, e com Zodíac abriu mão de diversão para fazer cinema de superior qualidade. O filme me deixou tão maravilhado que escrevi uma resenha no site Armadilha Poética. Desde já, agradeço ao trabalho de quem se dispuser a ler. E não deixem de conferir os outros textos do site.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

The Hearts of Age (Orson Welles)


Hoje tive o imenso prazer de assistir ao primeiro filme de um dos meus cinestas favoritos: Orson Welles. Não, não me refiro ao extraordinário Cidadão Kane(1941), o primeiro longa do diretor-ator, mas a The Hearts of Age, de sete anos antes, um curta-metragem em 16 mm de pouco mais de oito minutos, um tanto quanto bobo e ingênuo, evidentemente amador, produto "caseiro", rodado em sua casa numa tarde de domingo, durante um festival de Teatro no verão de 1934, quando Welles contava com dezenove anos de idade. O pequeno filme foi co-dirigido por Welles e seu amigo William Vance, que atuam no filme ao lado da namorada de Orson na época, Virginia Nicolson. Consta que Vance filmou grande parte das cenas, "improvisações inventadas por Welles depois de algumas doses de bebida", e sob a influência de Un Chien Andalou, de Buñuel e Dali, e do Sangue de Um Poeta, de Jean Cocteau, que Orson detestava e que aqui satirizava. Durante muito tempo esse filminho esteve à disposição apenas nos Arquivos da Biblioteca do Congresso Americano em Washington, D.C., e agora com a internet, finalmente pode estar ao acesso de qualquer espectador. Claro que o curta em si não tem nada demais, sendo mais uma curiosidade para os fãs de Orson Welles e de cinéfilos em geral. Essa cópia foi sonorizada recentemente com uma trilha sonora de Larry Marotta, levando em conta que trata-se de um filme sem diálogos.

Acima está o video tirado do youtube com o pequeno curta do consagrado cineasta americano. Mas para quem quiser fazer download deste e de outras obras de artistas famosos da Arte Contemporânea, não pode deixar de conferir um dos melhores (senão o melhor) site sobre raridades cinematográficas: o UBUWEB. Aqui encontra-se uma lista imensa de cineastas famosos (muitos deles desconhecidos até mesmo pelos cinéfilos mais atentos), com preciocidades invulgares. É só entrar na página, e navegar pelos nomes e obras à disposição, com direito a download fácil e rápido. Aproveite!

sábado, 17 de novembro de 2007

FESTIVAL JODOROWSKY: CCBB RIO DE JANEIRO


Finalmente depois de um tempão este vagabundo que vos escreve atualiza esse vergonhosamente mais do que desatualizado blog, desta vez com uma das mais úteis das postagens, principalmente para que mora no Rio de Janeiro, ou para quem pelo menos estiver por lá nos próximos dias. Trata-se de um festival dedicado ao cultuado cineasta chileno Alejandro Jodorowsky (tema de um dos textos anteriores do blog), que inclusive estará presente em carne-e-osso na cidade carioca, onde sua obra e sua persona será o tema de um festival no CCBB que exibirá todos os seus longas-metragens. Mas não apenas o seu cinema será atração nesses dias. Levando em conta que Jodorowsky é um multimídia por excelência, o festival vai destacar o seu trabalho nas outras áreas em que também se consagrou, como autor de histórias em quadrinhos e as suas atividades com o tarô, com o qual seguidamente se apresenta em sessões pelo mundo que arrastam milhares de apaixonados e seguidores.

Terça, 20/11
17h
A Gravata (Alejandro Jodorowsky, 1957, cor, 35 mm, 21 minutos, 14 anos)

Primeiro filme de Jodorowsky, um pequeno curta sem diálogos realizado em sua estada na França, adaptado de um conto de Thomas Mann sobre uma jovem que vende cabeças. O talento do cineasta se mostra em estado embrionário, sendo este curta-metragem hoje em dia exclusivamente endereçado aos admiradores do diretor chileno.
Fando e Lis (Alejandro Jodorowsky, 1968, p&b, 35 mm, 93 min, 18 anos)
O primeiro filme relevante do cineasta, já estabelecido no México, adaptado de uma bizarra história de amor louco e inatingível criada por Fernando Arrabal em torno de um impotente Fando guiando sua namorada paralítica numa cadeira de rodas em direção à cidade encantada de Tar, em busca do êxtase espiritual. A viagem interior dos personagens representa o que desde então seria a quintessência do cinema de Jodorowsky, fruto da época da contracultura. O filme mais poético do diretor, o mais triste e belo, mas ainda assim grotesco e feio, como todos os que o cineasta fez. Basta dizer que na sua primeira exibição na Cidade do México, os espectadores enfurecidos interromperam a sessão, e o filme foi banido do país durante anos.
19h - A montanha sagrada (Alejandro Jodorowsky, 1973, cor, 113 minutos, 18 anos)
Talvez a obra-prima do diretor, o mais delirante e poderoso de seus filmes, o que carrega as imagens mais desafiadoras de sua filmografia, o mais labiríntico e errático de todos. Uma perturbadora e ininterrupta sucessão de bizarrices protagonizada por Jesus Cristo, militares, sapos e lagartos, bezerros crucificados, alquimistas, extraterrestres, etc. Escândalo e sensação no Festival de Cannes em 1973, é um filme fadado a surpreender sempre, nessa ou em qualquer outra geração.

Quarta, 21/11
15h - Constelação Jodorowsky (Louis Mouchet, 1994, cor, 91 min, 12 anos)


Documentário que acompanha os longas do diretor na caixa de dvds de Jodorowsky lançada no exterior, foi realizado a partir de uma série de entrevistas com Fernando Arrabal, Peter Gabriel, Marcel Marceau, Jean Giraud e com o próprio cineasta. Completo, abrangente e essencial para se conhecer a fundo o artista chileno.
17h - Filmes da Meia-Noite: da margem ao mainstream (Stuart Samuels, 2005, cor, 86 min, 18 anos)
Mais um documentário, dessa vez ilustrando o fenômeno que marcou os Estados Unidos na década de setenta: os Filmes da Meia-Noite, produções malditas, obscuras e ousadas que não tinham espaço nas salas de cinemas “normais”. Esses filmes ajudaram a redefinir o cinema porque ousavam fugir do convencional, abordando temas e estilos deixados de lado e
de um modo que jamais seriam realizados no cinema tradicional da época. Jodorowsky foi o inaugurador do estilo com “El Topo”, o primeiro sucesso das tais Sessões da Meia-Noite. Além de “El Topo”, o documentário concentra-se em outros cinco longas que marcaram aquela era: A Noite dos Mortos Vivos (George Romero), Pink Flamingos (John Waters), The Harder They Come (Perry Henzell), Eraserhead (David Lynch) e The Rocky Horror Picture Show (Jim Sharman),este último o que teve o maior sucesso popular e o que mais teve o seu nome associado ao movimento.
19h: El Topo (Alejandro Jodorowsky, 1970, cor, 35 mm, 120 min, 18 anos).
Disputa com A Montanha Sagrada o posto de obra máxima da filmografia do diretor. Faroeste mais surrealista já visto em celulóide, com altas conotações metafísicas, espirituais e simbólicas, é uma intensa alegoria em torno de um pistoleiro que vaga pelo deserto do Oeste em busca de constantes desafios duelando com os mais diversos Mestres para se tornar o gatilho mais rápido do lugar, o que acaba gerando outra das mais alegóricas viagens interiores do cinema de Jodorowsky. Era o filme preferido de John Lennon, que comprou seus direitos de exibição, além de ter financiado o filme seguinte de Jodorowsky, A Montanha Sagrada.

Quinta 22/11
15h: Constelação Jodorowsky (Louis Mouchet, 1994, cor, DVD, 91 min, 12 anos).
17h - El Topo (Alejandro Jodorowsky, 1970, cor, 35 mm, 120 min, 18 anos)
19h - Debate com Estevão Garcia, Hernani Heffner e Pedro Camargo.

Sexta 23/11
15h: O ladrão do arco-íris (Alejandro Jodorowsky, 1990, cor, Beta, 87 min, 16 anos)

O último filme que Jodorowsky dirigiu, foi um grande fracasso e definitivamente é uma obra menor em sua filmografia, não obstante ser estrelada por astros do quilate de Peter O’Toole e Omar Shariff. Uma rara produção do diretor a ter nomes consagrados em seu elenco, o que pode ter causado ainda maior decepção, mas não é tão ruim como se imagina. Dois marginais vivem nos esgotos, debaixo dos chãos da cidade, e buscam alcançar o pote mágico do final do arco-íris.

17h - Cabezas Cortadas (Glauber Rocha, 1970, cor, 95 min, 16 anos)
Pode causar estranheza esse filme do brasileiro Glauber Rocha estar incluído no Festival sobre Alejandro Jodorowsky. A explicação é simples: o cinema de Glauber foi um dos que mais inspirou a obra fílmica de Jodorowsky, e o próprio Cabezas Cortadas em sua concepção delirante e surreal é um dos filmes de Glauber que mais se assemelha ao universo do diretor chileno. Não é dos melhores filmes de Glauber Rocha, mas vale o ingresso.
19h - A montanha sagrada (Alejandro Jodorowsky, 1973, cor, 35 mm, 113 min, 18 anos)

Sábado, 24/11
19h - Echek (Adan Jodorowsky, 2000, p&b, 4 min, 12 anos)

Pequeno curta do filho de Jodorowsky, sobre um homem que para impressionar sua amada tenta mostrar sua força derrubando a Torre Eiffel. Mas para isso ele tem que enfrentar a fúria desesperada de toda a população, que tenta impedi-lo a todo custo.

Santa Sangre (Alejandro Jodorowsky, 1989, cor, 35 mm, 116 min, 18 anos)

A última obra-prima do diretor, um dos grandes filmes de sua carreira, sobre um psicopata que foge do manicômio e inicia uma sangrenta onda de vingança pelos traumas que sofrera na infância, marcada pela amputação dos braços da mãe pelo próprio pai, fanático religioso e adorador da seita da "Santa Sangre". Um dos mais doentios e delirantes trabalhos do cineasta, visivelmente influenciado pelo clássico “Psicose”, de Alfred Hitchcock.

Domingo, 25/11
17h - El Topo (Alejandro Jodorowsky, 1970, cor, 35 mm, 120 min, 18 anos)
19h
A Gravata (Alejandro Jodorowsky, 1957, cor, 35 mm, 21 minutos, 14 anos
Fando e Lis (Alejandro Jodorowsky, 1968, p&b, 35 mm, 93 min, 18 anos)

Segunda, 26/11
20h Noite de autógrafos, seguida de coquetel.
Na ocasião ocorrerá o lançamento nacional de “Antes do Incal - 2” (Editora Devir)

Terça, 27/11
15h - A montanha sagrada (Alejandro Jodorowsky, 1973, cor, 35 mm, 113 min, 18 anos)
17h - El Topo (Alejandro Jodorowsky, 1970, cor, 35 mm, 120 min, 18 anos)
19h - Conferência de Alejandro Jodorowsky sobre QUADRINHOS

Quarta, 28/11
15h - Filmes da Meia-Noite: da margem ao mainstream (Stuart Samuels, 2005, cor, 86 min, 18 anos)
17h - Echek (Adan Jodorowsky, 2000, p&b, DVD, 4 min, 12 anos)
Santa Sangre (Alejandro Jodorowsky, 1989, cor, 35 mm, 116 min, 18 anos)
19h - Conferência de Alejandro Jodorowsky sobre CINEMA

Quinta, 29/11
15h - Alejandro Jodorowsky: conversações sobre as vias do Tarô (Giuseppe Baresi, 2007, cor, 60 min, 16 anos)

Documentário que registra várias sessões coletivas de Jodorowsky envolvendo o Tarô, além de uma longa entrevista do cineasta sobre sua obra, seu cinema, teatro, quadrinhos e, sobretudo, sobre sua personalidade.
17h - El Topo (Alejandro Jodorowsky, 1970, cor, 35 mm, 113 min, 18 anos)
19h - Encontro e leitura de TARÔ com Alejandro Jodorowsky


Sexta, 30/11
15h - Tusk (Alejandro Jodorowsky, 1980, cor, DVD, 119 min, 14 anos).>
O mais fraco e menos empolgante dos filmes de Jodorowsky, uma decepção completa. Embora a história da amizade entre uma menina e um elefante seja compatível com o estranho universo artístico do cineasta, o filme não engrena em momento algum, e não apresenta a força de seus outros trabalhos.
17h - Echek (Adan Jodorowsky, 2000, p&b, 4 min, 12 anos)
Santa Sangre (Alejandro Jodorowsky, 1989, cor, 35 mm, 116 min, 18 anos)
19h - O ladrão do arco-íris (Alejandro Jodorowsky, 1990, cor, Beta, 87 min, 16 anos)

Sábado, 01/12
15h - Alejandro Jodorowsky: conversações sobre as vias do Tarô (Giuseppe Baresi, 2007, cor, 60 min, 16 anos)
17h - Cabezas Cortadas (Glauber Rocha, 1970, cor, DVD, 95 min, 16 anos)
19h - Filmes da Meia-Noite: da margem ao mainstream (Stuart Samuels, 2005, cor, DVD, 86 min, 18 anos)

Domingo, 02/12
15h - Tusk (Alejandro Jodorowsky, 1980, cor, DVD, 119 min, 14 anos)
17h - Constelação Jodorowsky (Louis Mouchet, 1994, cor, DVD, 91 min, 12 anos)
19h - O ladrão do arco-íris (Alejandro Jodorowsky, 1990, cor, Beta, 87 min, 16 anos).

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

LOLITA: Uma história, dois filmes

O romance Lolita de Vladimir Nabokov (lançado em 1955) é uma das grandes obras literárias do século XX (por sinal, foi eleito o 4º melhor romance em língua inglesa do século). É uma história forte, poderosa, que mexe com a gente e nos faz rever conceitos, conhecer dimensões novas e diferentes do ser humano quando impulsionados por paixões e obsessões, por mais estranhas e doentias que possam nos parecer. Mas hoje gostaria de comentar sobre as duas adaptações que se fez do romance para o cinema: a de 1962, dirigida por Stanley Kubrick, e a mais recente, de 1997, por Adrian Lyne. Uns preferem a primeira, outros defendem a suposta superioridade da segunda.

Eu gosto das duas versões. A versão de 97 conta com uma grande vantagem que foi por possuir uma relativa liberdade que Stanley Kubrick não pode ter no inicio da década de 60, quando Kubrick sofreu nas mãos da censura, o que atrapalhou o resultado final do seu filme. O Lolita de Adrian Lyne (um cineasta que eu não gosto) tem o mérito de ser mais provocante, sensual sem ser pornográfico, ao mesmo tempo em que caprichou no clima melancólico, romântico, doentio e fatalista. O visual colorido também é belíssimo, o que proporcionou cenas lindas e inesquecíveis, como a da primeira aparição de Dolores deitada na grama do jardim de sua casa, lendo um livro ou folheando um álbum de revista, toda molhada pela água das mangueiras que estavam por perto, quando então levanta os olhos e enxerga Humbert Humbert pela primeira vez. Quem viu, sabe. Tudo realçado pela ótima trilha de Ennio Morricone.

Quanto a Dominique Swain, ela realmente é uma atriz ruim, bastante fraca (também assisti com ela o filme Perversas Intenções, onde ela está totalmente apagada), e que vai ficar marcada pelo seu papel de Lolita, da mesma forma que aconteceu com Sue Lyon, que também não era lá essas coisas como atriz dramática, e que não conseguiu seguir carreira mais satisfatória. Mas a grande vantagem de Dominique, é que ela realmente parece uma ninfeta de doze, treze, quatorze anos, cheia de charme e provocação, ao contrário de Sue na versão de 62, que parecia ter quase vinte anos de idade, e que era muito mais pudica, assim como praticamente todo filme, o que atrapalhou o inegável apelo erótico que a história possui. E particularmente também prefiro o Humbert de Jeremy Irons, que faz com que o espectador sinta compaixão pelo personagem, por mais monstruoso que ele seja, ao contrário de James Mason na versão antiga, que construiu uma caracterização muito mais repugnante, pérfido e detestável. Kubrick e Mason nos distanciam do personagem, fazendo com que sintamos ódio por ele. Por outro lado, Lyne e Irons nos aproximam dos aspectos humanos de Humbert sem que isso em momento algum nos impeça de reconhecer o caráter de criminoso do qual o personagem não consegue fugir, escapar.

Por fim, o grande mérito da versão de 1997 é ter sido bem mais fiel ao livro, transportando melhor a essência e condensando com mais fidelidade o fascinante romance de Vladimir Nabokov. Embora o próprio Nabokov tenha escrito o script da versão de 1962, o roteiro que ele criou para o filme era todo desordenado, e em sua totalidade renderia um filme de sete horas de duração. Nabokov era excelente romancista, mas não entendia nada da carpintaria de cinema, sobre a confecção de um filme. Kubrick acabou usando apenas fragmentos desse roteiro. Mas se como adaptação do romance a versão de 1997 é melhor, como cinema o filme de 1962 não deixa de ser superior. Se o espectador deixar de lado o romance original, vai se deparar com uma obra cinematográfica mais bem-construida, uma narrativa visualmente melhor costurada, mais bem-acabada. Aí é que entra o talento do diretor. Porque o Lolita de 1962 é um belo filme que adquire grande vigor e vida própria se a platéia não insistir em fazer comparações com o livro que o inspirou. Drama, comédia e romance proibido e escandaloso conjugados com perfeição admirável, principalmente um muito bem-vindo bom humor que faltaria na versão de Adrian Lyne, humor esse que viria principalmente nas mãos, caras e bocas das gracinhas de Peter Sellers, absolutamente sensacional do papel de Quilty, roubando cenas o tempo todo com sua grande presença em cena (talvez seu melhor momento no filme seja quando ele se finge de psiquiatra alemão e se encontra com Humbert. É uma cena incrível: Humbert entra em sua própria casa, acende a luz e se depara com Sellers travestido em outro personagem, o que faz com que o espectador quase dê um pulo da cadeira). Basta dizer que Sellers esteve tão marcante nesse filme que logo em seguida Stanley Kubrick lhe ofereceria não um, mas quatro papéis diferentes em seu filme seguinte, Dr. Fantástico (Sellers acabou representando três desses personagens em Dr. Fantástico, sempre com perfeição).

Enfim, o melhor que se pode dizer é que o ideal é preservar por perto ambas as versões de Lolita para o cinema, ter as duas lado a lado na videoteca. Uma completa a outra, elas se complementam. Duas visões diferentes de uma mesma história, linda, única, triste e maravilhosa.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

The Holy Mountain - Jodorowsky

Quando em minha mente associo cinema à internet, uma das primeiras lembranças que me vem é The Holy Mountain, de Alejandro Jodorowsky. Isso geralmente acontece porque se não fosse o veículo virtual certamente não o conheceria, muito menos o teria em DVD (baixei-o via torrent, nenhuma distribuidora ainda se dignou a lançar esse ou qualquer outro do diretor no Brasil). Tá certo, tá certo, filmes de Jodorowsky tem sido de tempos em tempos exibidos em mostras de cinema, porém mesmo informações sobre o diretor são muito difíceis de encontrar fora da internet. É raro às vezes em que ele foi citado em livros, guias de vídeo, jornais ou revistas de cinema. Televisão então, nem pensar! Jodorowsky sempre foi privilégio de um restritíssimo grupo de muitos poucos admiradores, principalmente aos cinéfilos que também são ligados em gibis (o que confesso que não é o meu caso, desconhecedor da área), em virtude de Jodorowsky ser famoso como autor de histórias em quadrinhos. Mas foi com a internet que seu nome se espalhou entre os cinéfilos mais atentos, e embora ainda continue como um caso clássico de cineasta mais comentado do que assistido, essa situação tem mudado com cada vez mais espectadores assistindo aos seus poucos (porém essências) filmes.

Nascido no Chile, teve que rodar o mundo para que sua obra tivesse um lugar ao sol no panorama da Arte mundial do século XX. Palhaço de circo e artista de marionetes em seu país durante sua juventude, emigrou para a França, onde se envolveu com diversos artistas da época, realizando um primeiro filme (o curta-metragem La Cravate), com o incentivo de Jean Cocteau, que se encantou com essa obra de estréia. No entanto, esse filme sumiu, e foi dado como desaparecido durante 49 anos, até ser descoberto na Alemanha em 2006, o que fez reforçar o culto em torno do nome do diretor. Jodorowsky dirigiu seu olhar em outras áreas, e com Fernando Arrabal, criou o Movimento Panique, grupo multimídia que fazia performances ao vivo misturando teatro de vanguarda, literatura e cinema. Depois escreveu diversos livros e peças de teatro, e no final da década de 60, já radicado no México, continuou dirigindo peças de vanguarda, ao mesmo tempo em que intensificou sua produção de histórias em quadrinhos e estreou “oficialmente” no cinema com Fando y Lis, uma bela e muito estranha história de amor entre uma aleijada de cadeira de rodas e seu fiel namorado, um filme que já carrega influências de cineastas que marcaram o diretor, como Luis Buñuel e até Glauber Rocha, este último uma inspiração confessa de Jodorowsky, que assistia a seus filmes e que se inspirou em Deus e o Diabo na Terra do Sol para criar seu segundo longa, o faroeste surrealista El Topo. Mais tarde, Glauber se encantaria com The Holy Mountain, ao declarar a Luiz Rosemberg Filho: "Você não pode deixar de ver A Montanha Sagrada. É uma porrada imperdível".

Mas o mais importante sobre El Topo é que, por fugir tanto do cinema convencional, o seu distribuidor nos Estados Unidos passou a exibi-lo em sessões a meia-noite e com a grande divulgação de seu admirador John Lennon, se tornaria o primeiro filme a ser considerado um cult-movie, iniciando as famosas sessões da meia-noite com filmes marginais de baixo orçamento e conteúdo ousado e escandaloso, como os filmes de John Waters, os primeiros filmes pornôs exibidos comercialmente (Garganta profunda, Atrás da Porta Verde, O Diabo na Carne de Miss Jones, também O Masacre da Serra Elétrica original e até o extraordinário Eraserhead (primeiro longa de David Lynch), passando, é claro, pelo maior sucesso dos filmes da meia-noite, The Rock Horror, exibido anos a fio para uma platéia que conhecia todo o filme de cor e reproduziam diálogos e situações durante as sessões. Além disso, foi possível redescobrir filmes “malditos” como Freaks, de Tod Browning, e se conhecer a obra de Ed Wood Jr., desde então tido como o “pior” cineasta de todos os tempos.

Essa época possibilitou para Jodorowsky a realização, em co-produção com os norte-americanos, de The Holy Mountain, talvez seu maior filme, cada vez mais cultuado pelo mundo afora. Uma das maiores extravagâncias visuais e sonoras que já se fez, uma sucessão ininterrupta de cenas, situações e tipos bizarros desfilando na tela do primeiro ao ultimo fotograma, uma obra inclassificável que foge de qualquer possibilidade de classificação. Gênero? Esqueça. Não pergunte a mim e nem a qualquer outro individuo que conheça o filme sobre qual gênero na mais remota das hipóteses The Holy Mountain pertence em sua estranha tessitura dramática. Uma experiência cinematográfica ímpar. Lembra aqueles primeiros filmes de Buñuel e Dali, também com influências de seu mestre Fernando Arrabal, surrealistas e anárquicos ao extremo, só que claro, com muito mais sangue e violência. Jodorowsky com imagens poderosas faz um cinema grotesco, delirante, feio e belo. É com certeza um dos diretores que mais fugiu do convencional, das amarras impostas pelo cinema tradicional, mostrando alucinadamente coisas que pouquíssimos outros cineastas fariam.

The Holy Mountain começa com um sósia de Jesus Cristo perambulando por uma cidade não-identifica de um oprimido país possivelmente da América Latina, onde escancara eventos sensacionalistas, em um mundo dominado pelo fascismo (uma das cenas mais célebres é a do desfile dos militares carregando bezerros crucificados). Perseguido, açoitado, sozinho, esse falso Cristo é atirado em meio a um grande número de bonecos com a face de Cristo. Um dos momentos mais estranhos é quando o personagem começa a mastigar uma dessas imagens e mandando para o espaço em balões. Sua revolta faz com que ele tente carregar um desses bonecos para uma igreja, de onde é impiedosamente expulso. Por fim, encontra um misterioso alquimista (interpretado pelo próprio Jodorowsky), que literalmente, entre outras lições, o ensina a transformar merda em ouro. O tal do alquimista trata de reunir um grupo de milionários que vieram de outros planetas e que passaram a vida inteira na Terra com a única ambição de juntar fortuna. A idéia do alquimista é levá-los ao topo de uma montanha sagrada, onde pretendem encontrar sacerdotes imortais com o segredo da eternidade, mas desde que cada um desses burgueses despoje-se de toda a riqueza reunida e deixe de lado a propensão à individualidade, egoísmo e ambição.

O filme é de uma incrível concepção visual de cores, quadros e texturas estonteantes que ao mesmo tempo nos seduzem e nos causam repulsa. Também é uma das mais atordoantes coleções de cenas bizarras, surreais e porras-loucas da história do cinema: a invasão e a conseqüente explosão dos sangues de uma infinidade de sapos, a máquina de fazer sexo (na verdade, uma vagina mecânica que quando excitada é capaz de chegar ao orgasmo), um anão sem um braço endoidecido destruindo tudo, demais seres deformados ou decapitados, a coroa de cabelo azul-piscina, animais assassinados, lavagem cerebral em crianças para terem ódio e serem úteis em futuras guerras, as armas fabricadas para serem usadas por judeus, budistas e cristãos, o velho pedófilo que arranca o próprio olho para entregar a prostituta infantil, o outro ancião andrógino cujos mamilos são oncinhas que esporram leite, etc.
Depois disso, infelizmente Jodorowsky brigou com seu produtor norte-americano, que impediu exibições de El Topo e The Holy Mountain por três décadas, e tentou sem sucesso fazer uma versão cinematográfica do romance "Duna" (mais tarde filmado de maneira mediocre por David Lynch), que teria a participação de Orson Wellese Salvador Dali, trilha sonora de Pink Floyd, e a colaboração visual dos artistas H. R. Giger, Dan O’Bannon e Moebius. Nas ultimas décadas Jodoroswky tornou-se um diretor bissexto, que vez por outra lança algum filme, o mais relevante deles, Santa Sangre. Por isso dedicou-se mais a escrever alguns romances, e principalmente à prática do taro e das histórias em quadrinhos. A boa noticia é que depois de ser redescoberto no Festival de Cannes em 2006, nesse moemnto prepara-se para dirigir mais um filme. É aguardar para ver.

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

A Dança dos Signos (crônica)

Sou daqueles que lê tudo que me cai em mãos, e entre preciosidades literárias e outras nem tão boas assim, nesse último verão que passou tive a oportunidade de desfrutar da leitura do Guia dos Signos. Que trabalho bastante produtivo! Primoroso. Não se trata do horóscopo que costuma vir nas páginas dos jornais que folheamos todos os dias, mas de um compêndio completo e abrangente que engloba as características dos doze signos do zodíaco. Personalidade, Trabalho, Amor, Dinheiro, Sexo, Família, Saúde, combinações, ascendentes, simpatias e muito mais! Tudo ao preço de um real, o valor que paguei pelo exemplar num daqueles sebos ao qual sempre insistimos em voltar. Porém, por ter sido adquirido em sebo não confundam o exemplar com velharia, pelo contrário. É uma edição de 2006, ou seja, desde que o prazo de validade não esteja vencido (levando em conta que, como já disse, não é o tipo de guia com previsões de data marcada, e sim uma análise profunda das características de cada signo), o conteúdo do livro permanece (e permanecerá) atual, eterno e duradouro. E eu sou daqueles que, como diria Luis Fernando Veríssimo, não tem superstições, mas possuo uma ferradura atrás da porta porque dizem que trás sorte mesmo para quem não acredita. Além do mais, o exemplar era de uma beleza visual de encher os olhos, desde o colorido esfuziante da capa até a competência do projeto gráfico das páginas do miolo daquele compêndio. Como o que vale hoje em dia é a embalagem (e não o conteúdo), num daqueles momentos em que a curiosidade falou mais alto que o senso crítico que todos imaginamos possuir, acabei levando o livro para casa.

O interesse das pessoas em predizer o futuro e conhecer o passado obscuro transcende a ausência de conhecimento de todos nós, pobres ignorantes que nada sabemos sobre quem somos e o que significamos. Desde a Antiguidade os oráculos e adivinhos têm dado suas contribuições para desenhar o que há por trás da pálida personalidade de cada individuo, encontrando significados para as questões que de tão simples exigiriam respostas mais complexas. E aí chegamos ao livrinho a que me referi. Se o cito nessa crônica, não é para fazer uma resenha crítica da obra em questão, apenas o uso como exemplo que corresponde a todos os trabalhos de adivinhações, astrologia, horóscopo e congêneres que nos são empurrados dia-a-dia em tudo que é tipo de mídia (livros, revistas, jornais, internet, rádio, televisão, etc.). Esse Guia dos Signos é um achado. Páginas e páginas dedicadas a cada signo do zodíaco em analises profundas como o pires em que colocamos nossas xícaras de café. Vou tentar resumir esse trabalho transcrevendo um trecho de cada análise dedicada a cada um dos signos.

ÁRIES: Suas marcas são a coragem e a ousadia (Agora eu sei porque muitos de nós somos tão covardes. É bom saber para poder usar de cautela com arianos corajosos e ousados).
TOURO: Você preza tudo que é estável e traz tranqüilidade (Quer dizer que todos os taurinos são desse modo, e o resto da humanidade instáveis e intranqüilos? Acho que nasci no signo errado. Ou nem tanto. Pode ser que Escorpião reserve boas surpresas).
GÊMEOS: Um de seus maiores dons é a comunicação (ou seja, quem não é geminiano está fodido).
CÂNCER: Sua família é a maior riqueza da sua vida (já estou reclamando por tantas pessoas queridas que não sejam de Câncer e que prezam acima de tudo a própria família. E além do mais, e aquele amigo meu que é do signo de Câncer e não está nem aí para os próprios familiares?).
LEÃO: Você sabe expressar os seus talentos (Estou perdido mais uma vez. Por mais que eu me aperfeiçoe em mais de uma atividade artística, serei sempre um fracassado).
VIRGEM: Nada escapa de seu olhar e de sua avaliação (Seria mais fácil dizer que virgem é aquele que nunca transou)
LIBRA: Conviver com as pessoas é seu maior prazer (Ou seja, librianos estão livres de ser anti-sociais). E finalmente o meu signo...
ESCORPIÃO: O seu signo sente um prazer todo especial em ganhar dinheiro (ora, pernas para o ar, tudo isso eu já sabia).
SAGITÁRIO: Liberdade e aventura são seus maiores ideais (Deve ser por isso que o símbolo desse signo é um arqueiro. Guilherme Tell devia prezar muito a liberdade e a aventura. Aliás, Guilherme Tell era sagitariano?).
CAPRICÓRNIO: Você sabe até onde quer e pode chegar (Todos os outros não terão perspectiva alguma. A propósito, eu já cheguei a ler numa página de horóscopo em uma revista qualquer que o signo de capricórnio tem tendências ao homossexualismo!).
AQUÁRIO: Em sua vida, não há espaço para regras (Nada a declarar).
PEIXES: A compaixão é a sua qualidade mais marcante (É verdade. Minha mãe é do signo de peixes).

Em suma, um daqueles livros que se não adquirimos, fatalmente nos arrependeremos por não tê-lo comprado, mas depois de lido, a vontade é de devolver ao vendedor. Claro que as transcrições só representam muito pouco do que está descrito no livro, porém as pinceladas representam a denuncia de farsa que propus compartilhar com os leitores. Enquanto nós, cronistas, poetas, romancistas e escritores nos encontramos praticamente impedidos de publicar por causa das dificuldades com o mercado editorial, livros inúteis como esse que não acrescenta nada à cultura do país encontra todas as facilidades para vender milhares de exemplares. É isso aí, quem mandou quando garotos a gente ler os clássicos da literatura em vez dos manuais de ocultismo!

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Os Filmes de Andrei Tarkovski


Em uma semana tive a oportunidade de assistir a obra do genial cineasta russo Andrei Tarkovski, o que além de fazer com que eu ficasse fascinado por seus filmes, também me deixou absoluta e literalmente esgotado. Mas não esgotado num sentido pejorativo, diria esgotado no sentido do que exige entrega mental total, pois seus filmes absorvem totalmente quem o assiste.

Foram todos os oito longas que ele dirigiu na vida (sendo que um deles, o primeiro, é na verdade um média-metragem). Sim, Tarkovski é um cineasta dificílimo (eu que o diga), seus filmes são plasticamente belíssimos, com uma densidade psicológico-literária bastante incisivas, mesmo quando trabalhando em sci-fiction (como Solaris & Stalker). Bergman chegou a dizer que Tarkovski realizava exatamente o que ele, Bergman, sempre quis fazer em cinema e nunca o conseguiu.

São filmes os quais é necessário um bocado de paciência para assimilá-los, e um outro tanto de reflexão para entendê-los. Ainda terei que rever mais vezes cada um de seus filmes para entendê-los melhor, e sem duvidas, o farei uma outra hora. Ainda assim, nessa semana depois que eu, combalido, me recuperei do efeito devastador dessa maratona, escrevi pequenos comentários sobre as primeiras impressões que cada um desses filmes me causou nesses dias (antes, eu só havia assistido Solaris e O Sacrificio, mas há muito tempo, na adolescência).

O Rolo Compressor e o Violinista: Filme de fim de curso quando Tarkovski estava com 28 anos, essa média-metragem tem como maior curiosidade fazer com que o espectador tente encontrar características que se veriam nos filmes posteriores e mais famosos do diretor: reflexões sobre a dicotomia artista/homem comum (representado na amizade entre o menino violinista solitário e o operário embrutecido pela vida), tratamento cuidadoso com a textura das imagens e das cores, o rigor da narrativa que lhe seria peculiar pelo resto da carreira e até mesmo a marcante presença da água, que aqui aparece em destaque na linda cena com o menino tocando violino enquanto gotas de águas vão caindo na poça, em perfeita sincronia com o andamento da música tocada pelo pequeno artista. A água que cada vez mais em sua obra iria se tornar um elemento sempre presente geralmente em planos longos, melancólicos e persistentes (o que remete à definição de Heráclito sobre a água de um rio em movimento), criando uma variedade de possibilidades sonoras e visuais intensas, desde variações de intensidade de uma chuva ou de um movimento de um lago, rio, oceano ou simples poças-d’água, transbordando em diferentes superfícies, até gotas que pingam individualmente em líquidos ou sólidos. Obviamente mais indicado aos fãs do diretor ou para quem já está predisposto a adentrar em sua obra, não deixa, no entanto, de ser interessante para qualquer tipo de público como filme de qualidade.

A Infância de Ivan: Poderia ser definido como o filme de guerra da filmografia do diretor. Mas é bem mais que isso, seu primeiro longa já é sua primeira obra-prima e mesmo com uma história bem mais convencional (a guerra vista sob os olhos de um menino) do que se veria em seus filmes seguintes, este já carrega marcas registradas que permeariam sua carreira: em muitas de suas belíssimas cenas em preto-e-branco ele mistura sonho, vigília e memória fazendo com que nos confundam diante do que é visto na tela, promovendo o que pode se tornar a interpretação infindável na mente de quem o assiste. A câmera do diretor já se mostra fascinante como em momentos em que mescla um ambiente ao outro sem cortes, como a do sonho do menino, em que a partir de sua cama a câmera segue subindo pela parede e de repente sai de um poço, onde transcorre todo o sonho.

Andrei Rublev: Se os dois filmes anteriores estão entre os mais recomendáveis para se iniciar em Tarkovski, o mesmo não se pode dizer desse. Não que seja ruim. Longe disso, é um dos melhores. Só que em seu caráter de epopéia esse filme-monumento pode cansar espectadores de primeira viagem com sua longa duração (quase três horas e meia de projeção). Quem não se importar com esse detalhe, acompanhará a obra do cineasta russo em que mais se faz presente a materialização da arte como algo sagrado que representa a própria fé do homem-artista na humanidade, mesmo com todas as desgraças que possam assolar um povo inteiro (no caso, a invasão mongol que devasta com o povo russo na Idade Média, onde se encontram os dois artistas protagonistas). Cenas inesquecíveis: os gansos caindo no meio da batalha feita em slow-motion, a mágica presença das algas quando Rublev e Teófanes dialogam perto do riacho, o cavalo que depois seria sacrificado tombando na tela... E depois de todas essas e muitas outras maravilhosas imagens em preto-e-branco, na inesquecível cena final as cores reluzem expondo o que de mais transcendental pode permanecer mesmo com todos os absurdos cometidos pela humanidade: a arte. Pode até ser um filme atordoante, mas é muito, mas muito belo.

Solaris: Tarkovski deve ter se impressionado muito com 2001-Uma Odisséia no Espaço, porque logo após o lançamento do clássico de Stanley Kubrick ele enveredou pelo universo da ficção cientifica em dois dos mais cultuados exemplares do gênero (Solaris & Stalker). O diretor encontrou nesse gênero os caminhos de infinitas possibilidades visuais e temáticas para expressar suas metáforas sobre o ser humano, em viagens internas e/ou interiores de sensações e sentimentos que são como um (re) encontro do homem consigo mesmo, questionando as divergências entre o real e o imaginário na concepção da imagem que nossos olhos julgam enxergar. A materialização do pensamento na alma humana. É a ficção cientifica interior. Grandes momentos: os segundos de imponderabilidade, a viagem de automóvel percorrendo um complexo de viadutos, as folhas que ondulam o vento... O cinema de tarkovski é assim mesmo. Cenas que quando descritas no papel podem até não chamar a atenção. Mas na tela, é sublime.

O Espelho: Eis o que pode ser chamado de um filme menor de Tarkovski, no sentido de que ele seria o menos bom dos longas do diretor. Ou não, já que tem fã que considera esse justamente o melhor de todos. O Espelho parece menor por estar espremido entre as duas ficções-cientificas gigantes do cineasta, mas não é menos relevante. Basicamente, Tarkovski volta-se aos meios mais mundanos para expressar os problemas emocionais de uma deprimida operária que trabalha numa gráfica. Um intenso ensaio sobre a problemática das relações humanas.

Stalker: Talvez o ápice do cineasta, ainda que seja tão difícil definir o melhor ou o pior que esse sujeito fez. E eu disse talvez pelo fato de que ainda estou tentando assimilar muito do que assisti, porque se em Solaris Tarkovski já transcendera a ficção cientifica com sua densidade literário-psicológica, em Stalker ele extrapola a ponto de muitos espectadores recusarem-se a incluir o filme entre os produzidos pelo gênero. Um sonho irreal que mais parece um pesadelo em que os personagens movem-se numa atmosfera altamente lúgubre buscando um lugar em que todos os desejos mais profundos se realizam, da mesma forma com que o diretor como artista sempre buscou conduzir as platéias para um universo mágico, poético que grande parte da humanidade parece não enxergar mais. A poesia cinematográfica perpassa por toda a película, nesse longo passeio da câmera acompanhando os personagens que percorrem seu caminho entre as poças da água a caminho da “Zona”. Mais uma vez trabalhando com o oculto na mente humana, aqui o diretor é mais metafórico do que nunca. Arrisco-me a dizer o que ensaiei a afirmar antes: a obra máxima do cineasta.

Nostalgia: Disputaria com O Espelho o titulo de filme menos bom de Tarkovski se a obra dele permitisse tais hierarquias de valor. Seu primeiro filme fora da Rússia, mais uma vez cheio de considerações filosóficas em atmosferas introspectivas, sempre em torno de um ser humano que busca uma forma de voltar para dentro de si para transcender as barreiras materiais e se elevar num nível de percepção espiritual muito acima do que conhecemos. O pior de Nostalgia é a tarefa de suceder uma obra-prima como Stalker, da mesma maneira que é difícil conferir O Espelho logo após ter visto Solaris na maratona que fiz na semana passada. Mas Nostalgia tem méritos suficientes para ocupar o lugar de importância que cada filme de Tarkovski possui.

O Sacrificio: Um dos meus preferidos do diretor, é mais um filme no exílio de Tarkovski, que já gravemente enfermo, não sobreviveria muito tempo após a sua realização. Num fim de semana numa casa de campo, o que era para ser uma festa em homenagem a um artista muito velho faz com que este seja perturbado por estranhas alucinações em que o mundo degradado e sem valores é simbolizado por um inferno representado por uma guerra nuclear e o iminente fim do mundo. O artista busca salvar os que lhe são próximos na esperança de reverter o fim de tudo propondo-se a um sacrificio do material em busca da redenção espiritual. O artista arrisca doar-se inteiramente num ato de amor querendo salvar a humanidade perdida, mesmo sacrificando razões que a própria razão alheia não compreende. Essa derradeira obra-prima representa toda a proposta pela qual Tarkovski lutou a vida inteira. O seu testamento cinematográfico.

sábado, 11 de agosto de 2007

O Homem em um Copo de Whisky (conto)

Fiz um trato de amor com a mulher que sempre quis, aquela a quem continuamente desejei: tornei-me pequeno diante dela, tão minúsculo e diminuto que a mulher me pôs na palma de sua mão e riu com o destino ao qual eu havia me entregue. Pensei que se dedicaria a uma intensa contemplação amorosa, aproveitando o domínio que possuía naquele momento, porém ao invés do amor a mulher respondeu com um sorriso de desdém por eu ter descido tão baixo naquele meu permanente estado de pequenez. Eu sou aquele pontinho obscuro que quase ninguém enxerga. Era miúdo como a unha do dedo menor de um menino.
A mulher quase que balança a cabeça, e com o pouco caso de quem está com pressa de se descartar de algo inútil e sem valor, verifica pelos cantos um local onde pudesse me deixar enquanto não se livrasse de mim em definitivo.
Por fim, encontra um quase vazio copo de whisky sobre a mesa, e sem alternativa para o momento, me despeja com um bocado de indelicadeza para o interior do copo semivazio, pega a bolsa e sai para o trabalho. A bebida seria o equivalente a dois dedos normais de um homem, eu estava seguro; no entanto, o confinamento levou-me às lágrimas e eu chorei. A água caída dos olhos não era proporcional ao corpo diminuído de tamanho e mais um pouco eu me afogo.
Amar uma mulher e não amar a si mesmo é como correr em direção oposta à linha de chegada. Igual a querer abraçar a mulher amada sem ao menos levantar os braços para cumprir o gesto desejado. O amor nasce em nós mesmo e só dentro da gente ele se concretiza. Dois Narcisos nunca se odiarão. Narciso cansou de ficar olhando apenas para si próprio no espelho do rio em movimento, mas em nenhum instante deixou de se amar em detrimento ao próximo.
Era noite e uma irmã bem menor da mulher que me guardara no copo apareceu e encarou-me através do vidro daquele invólucro, como se me enxergasse dentro de uma bola de cristal. "Mana, tem algo estranho no copo, uma sujeirinha, eu acho"! - avisou a menina para a mulher que voltara para casa. A mais velha não ouviu direito o que a outra dissera, percebeu apenas que se referia ao copo em sua mão, devia estar estressada devido ao cansaço estafante que a consumia, e mais ainda, deve ter se esquecido de mim, pois sem enxergar o pontinho escuro que boiava no whisky, ela pegou o recipiente dos dedos da menina e engoliu o resto de bebida que havia naquele copo que depois colocou sobre a mesa.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Agora Antonioni: O Adeus dos Mestres


Porra, agora foi Antonioni! Cada dia que acordo recebo a noticia da morte de um mestre. Parece que o personagem da Morte do Setimo Selo resolveu passar essa semana para levar os últimos sobreviventes de uma arte que nunca mais foi como era antes. Amanhã quem será? Jerry Lewis, que a cada vinte dias adquiri uma nova doença? Deus me livre! Do Antonioni eu amo de paixão, entre outros, O Passageiro - Profissão: Repórter, um dos mais densos exercicios metafisicos que já vi na telas, carregados de enigmas existenciais. Ou de Blow-Up, talvez o filme-símbolo da efervecência cultural da década de 60, cujo enredo em torno de um fotógrafo é o ponto de partida para a reflexão sobre o significado da realidade e das aparências. Mas mal dá para falar nos filmes nesse instante, ainda tenho que me recobrar desses tristes óbitos.

Introduzindo no cinema italiano o subjetivismo que não se encontrava nos outros diretores de seu país, tratando de temas caros ao existencialismo do pós-guerra como a solidão, a insegurança e a angústia, Antonioni o fez através de demorados e exaustivos planos-sequencias,que buscam ilustrar atmosferas psicológicas profundas e descrever casos de incomunicabilidade entre os personagens de suas películas. Sua técnica era desconcertante, a imobilidade da câmara e a escassez de diálogos criava um clima propositadamente árido, transmitindo com perfeição a sensação de tédio, que causava um desconforto enorme no espectador, o que afastou o publico da maioria de suas obras. Quem não estivesse disposto a encarar o desafio intelectual da maioria de seus filmes, que jamais ofereciam empatia e catarse fáceis, recuava diante desse convite à reflexão pura, às suas tentativas de capturar, de congelar o movimento dentro de cada enquadramento de câmara. Antonioni foi revolucionário nesse aspecto, ao repensar o modo como se fazia cinema, influenciando dezenas de outros artistas,transcendendo o seu tempo.Sua importância como renovador da linguagem cinematográfica e cineasta original e criativo ninguém pode contestar.Sua inegável inteligência e inventividade dificilmente produziram um filme ruim. Já chato...aí é outro papo, vai depender dos olhos que vêem.

Só aos poucos vamos assimilando o choque que foi uma noticia junto da outra. É possivel que a noticia de ontem tenha comovido tanto Antonioni que, ao ver o seu último companheiro de geração desaparecer, não tenha resistido ao choque e foi junto com o diretor sueco. Foi isso que me passou pela cabeça. Ficou dificil até para falar dos filmes dos caras, quando a maioria de nós cinéfilos ainda está tentando se reerguer do choque cinematográfico que nos proporcionaram esses tristes acontecimentos. O luto continua...

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Morre Bergman


Morreu Ingmar Bergman, muito provavelmente um dos cinco maiores cineastas de todos os tempos. De sua morte, todo cinéfilo que se preze já ficou sabendo. E eu não teria muito que acrescentar sobre o mestre com algo que não tenha sido dito pelos jornais, vespertinos, televisões e sites de todo mundo. Mesmo porque, ainda não assisti muitos dos seus filmes, portanto, não seria o mais indicado a fazer um homenagem mais digna. Porém, um blog de alguém que se diga cinéfilo extremado não poderia deixar de dedicar um espaço ao gênio que nos deixou. Com um estilo inconfundivel, sua sensibilidade criadora conseguia aprofundar em cada filme os aspectos principais da psicologia humana: a dor, a angústia, o medo, etc. Tudo com uma linguagem formalmente brilhante, nunca deixando de abordar intensas discussões existenciais, metafisicas e religiosas (na procura de um deus ausente). Nesse retrato da condição de solidão irremediável do individuo à qual todos nós estamos condenados, em obras quase sempre descendo às profundezas da alma humana, o universo feminino ocupou um espaço cada vez mais importante à medida que sua obra foi evoluindo desde que sua carreira adquiriu maior consistência e fôlego na década de 50. Seu primeiro filme, Crises (1945), que já se concentrava em conflitos familiares (o que seria uma das marcas registradas de sua filmografia), ainda era influenciado pelo realismo poético franc~es, especialmente o de Marcel Carné. Seus vários filmes naqueles anos seguintes, dizem os historiadores que o conferiram, seguiam essa tendência, eram de valor desigual, até que na década posterior adquiriu valor próprio e personalidade cinematográfica impar, passando a fulgurar entre os primeiros do Olimpo dos Deuses do Cinema. O Panteão dos Intocáveis é para poucos. E Bergman desde que entrou nele,nunca mais o abandonou. Vá com Deus, Ingmar Bergman!

domingo, 15 de julho de 2007

Algumas Considerações sobre o Universo Virtual

Por que será que eu já não leio como antes? Explica-se: lembro que há uns dois anos, antes de me render aos encantos e sedução de ter internet em casa, eu lia muito mais do que atualmente. Não pretendo esboçar nenhuma crítica virulenta ao mundo virtual, um veiculo o qual eu usufruo com imenso prazer, porém sinto saudades de épocas em que costumava ler até três livros por semana e, consequentemente, escrevia muito mais do que hoje em dia. Fico imaginando o quanto é difícil para muitos, como o é para mim, conciliar internet e outros hábitos caseiros imprescindíveis, no caso, os de leituras de livros importantes e a rotina de se escrever com mais disciplina.


A internet consome demais a gente. O que estou tendo dificuldades é em me policiar nesse sentido, determinando uma rotina, reservando horários, principalmente para escrever. Caso contrário, a tendência é mergulhar nesse universo virtual, a atração é grande, as possibilidades infinitas. A solução mesmo seria encontrar um meio de estruturar e conciliar tudo isso. Porque viver sem internet a maioria de nós sabe que não é mais possível. Cada vez mais vai virar utopia um individuo querer escapar desse meio, depois de ter usufruído do mesmo. Como voltar a realidade apagada e esmaecida do dia-a-dia em nosso meio social, e deixar de lado a tela do micro que em seu universo tão vasto a tudo nos responde, nos seduz, e interage com nós? Lembro que certa vez num chat qualquer conversei com um outro apaixonado por literatura e ele disse que para a internet não atrapalhar sua rotina intelectual ele passou a usá-la apenas durante o expediente de trabalho (onde usufruía de tudo que lhe é de direito em todo tipo de sites em que quisesse navegar, plugado em MSN, youtube, orkut e demais pesquisas). Em casa, nunca! Só assim para ele continuar se dedicando aos seus hábitos de leituras e escrita.

Pois algum artifício, alguma combinação consigo mesmo a pessoa tem que estabelecer. Caso contrário, é como um canto de sereia, a máquina é sedutora (o chato é que eu detesto disciplina). A pessoa precisa colocar cera no ouvido ou se amarrar num mastro, como Ulisses e sua tripulação. Caso contrário fica bem difícil colocar ordem nas coisas. No entanto, acredito que aquilo que a gente também gosta como ler e escrever, aos poucos também nos atrairá de novo com sua melodia própria. Para quem lida e gosta disso fica difícil largar dessa maneira. Por isso acho que, com uma ajuda consciente da própria pessoa, o problema se resolverá naturalmente. Mesmo porque, por mais informações que a internet transmita,e por mais espaço que exista para a gente deixar algumas palavras escritas ao léu, a sensação é que aqui tudo é rápido, ligeiro e superficial, muito efêmero, transitório. O excesso de informações nunca será o mesmo caldo de cultura e conhecimento que os grandes romancistas contribuem para o nosso desenvolvimento intelectual.

Antes de terminar, e ainda sobre o caráter efêmero da informação aqui dentro, por outro lado, além da rapidez e da superficialidade do veículo, uma coisa que chama a atenção, em vários sentidos, é que belíssimos textos são escritos em milhares de páginas na web, belos trechos, comentários e apreciações, perdidos e dispersos nesse labirinto de páginas e janelas que formam a internet. Qual o futuro da maioria dessas publicações? É uma pena que isso não possa ser mais bem preservado e localizado. A impressão é que algo está sendo desperdiçado, engolido pelo próprio mecanismo que propiciou sua existência. Pois é esse caráter transitório que faz com que as coisas na web sejam efêmeras demais. Um bom texto escrito hoje, amanhã ninguém mais lembra, não será mais lembrado, perdido na infinidade de palavras que se joga por aqui. Algo que não transmite a impressão (ou ilusão de) durabilidade que existe nas palavras impressas em livros, revistas e jornais. Por isso que quem gosta de literatura jamais a deixará totalmente de lado em favor de outros veículos virtuais, ou mesmo de demais tecnologias audiovisuais.

No fundo, além de discorrer sobre a literatura (uma de minhas maiores paixões), tudo que eu escrevi acima é porque eu não quero me transformar num escritorzinho de internet. Simples. Enfim, vamos ver o que o destino nos reserva.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

No Surprises - Radiohead



Como faz muitos dias que não posto nada por aqui, irei dedicar este espaço a um videoclipe tirado diretamente do yortube. Não sou muito chegado a esse tipo de postagem, porém esse não é um vídeo comum. É o clipe que eu mais gosto da minha canção favorita de minha banda predileta entre as atuais. Sim, sou daqueles que consideram o Radiohead a melhor banda dos últimos vinte anos no cenário mundial (que me perdoem os muitos fãs do Nirvana, mas Ok Computer é muito superior ao Nervermind). E minha musica predileta, é claro, está no fabuloso Ok Computer, um disco que é uma estupenda conjunção de doze faixas com uma complexidade toda especial e com uma sonoridade única. Não se trata dos temas em torno de rebeldes sem causa dos quais se alimentaram a maioria das outras bandas nos últimos tempos, mas sim um álbum conceitual sobre a angustia do ser contemporâneo, tragado pela modernidade tecnológica que o cerca, da qual não consegue viver longe, quase que um certo desprezo pelo modo que se vive nessa virada de milênio, num processo de desumanização e conseqüente robotização do individuo que essas novas estruturas provocam no mundo atual, tudo em musicas intensamente melancólicas e estética e melodicamente perfeitas. Mesmo deixando de lado qualquer compreensão de seus conceitos e de sua estrutura, o álbum tem canções divinas que se apresentam maravilhosamente bem em conjunto ou isoladamente. A melhor para mim, sem dúvida nenhuma, é No Surprises (embora a maioria do Universo prefira Paranoid Android), a canção que eu gostaria em que no dia em que eu morresse, fosse tocada no meu velório. Perfeita. Sempre a escutei como uma desesperada canção de ninar feita não para quem recém nasceu, mas para alguém que está morrendo. Veja o clipe e/ou leia a tradução da letra, e entenda a grandeza de No Surprises.

Letra Traduzida:
http://radiohead.letras.terra.com.br/letras/78965/

terça-feira, 19 de junho de 2007

A Bela da Tarde

Em meados da agitadíssima década de 60, após já ter construído uma gloriosa carreira de grandes filmes (a maioria verdadeiras obras-primas), Buñuel pôde sair do México para voltar a filmar na França, quase quarenta anos depois de ter sido praticamente expulso de Paris após a escandalosa, tumultuada e maldita exibição do clássico surrealista A Idade de Ouro, prontamente interditado na época. Na verdade, no final dos anos 50, em meio à sua carreira mexicana, o cineasta espanhol realizou três filmes na França (Cela s’Appelle l’Aurore e La Mort em ce Jardin), ao mesmo tempo em que também filmou na França (Viridiana) e até nos Estados Unidos (The Young One), para logo em seguida voltar ao México e realizar o extraordinário O Anjo Exterminador. Depois de um outro filme francês (O Diário de uma Camareira), ele faria o seu último filme mexicano (Simon del Desierto), para voltar ao solo francês e se estabelecer em definitivo em Paris, consagrando-se com o absoluto sucesso de público e de critica de A bela da Tarde, de 1967.
"Belle de Jour foi talvez o maior êxito comercial de minha vida o qual atribuo mais às prostitutas do filme do que propriamente ao meu trabalho", diria o cineasta. De fato, talvez seja o filme mais nelsonrodrigueano que já tenha sido feito no mundo, pelo menos fora do Brasil. Para um fanático que nem eu pela obra do dramaturgo carioca, a associação de seu nome com o filme de Buñuel é quase inevitável. Pena que aqui no Brasil não houvesse gênios o suficiente para filmar histórias do Nelson com a qualidade vista em A Bela da Tarde (esse é o típico filme, na época em que as produções brasileiras investiam pesado em sexo e nudez, que por aqui tantos tentaram fazer porém nunca conseguiram) . Mas deixemos o escritor brasileiro de lado, mesmo porque seu nome não tem nada a ver com o filme de Buñuel, que é uma adaptação do romance de Joseph Kessel. Uma estranha e fascinante mistura de realidade e imaginação, fatos e devaneios, verdades e sonhos, na insólita história das desventuras de Séverine Serizy (a deusa Catherine Deneuve, mais atraente do que nunca), a delicada, sedutora e entediada esposa de um médico burguês com quem mantém uma fria e distante relação, e que, atraída pela prostituição, resolve freqüentar durante as tardes um bordel parisiense que encontrara quase que por acaso, onde se envolve com situações diversas e se relaciona com um estranho e violento marginal (talvez o mais sincero de todos os personagens que desfilam pelos fotogramas do filme de Buñuel). Ela carrega certa frustração emocional e sexual bastante forte, com necessidade de rever conceitos e satisfazer anseios e impulsos sufocados em sua vida esmaecida. Severine precisa respirar, quer emoção, perigo e aventura, ou simplesmente deseja experimentar o desconhecido, arriscar-se no terreno do que não lhe é permitido. A principio receosa, ela acaba-se se entregando as todas às suas taras, desejos e obsessões recalcados, visto que ela se satisfaz com o ultraje físico e moral, libertando suas perversões de burguesa enfastiada, contrariando os ditames do catolicismo e da hipocrisia social, que a aprisionavam, e contra os quais Buñuel dirige sua severa, violenta e habitual crítica devastadora. Séverine sucumbe aos açoites, à submissão e humilhação sexual, lama na cara e outras agressões verbais (tipo “puta” e “vagabunda”).

Quantas mulheres devem ter esses mesmos desejos que Severine, querer ter uma vida (ou pelo menos, um dia) de Bela da Tarde? O mais provável é que a maioria mal admita para si mesma essa idéia. O recado de Buñuel é que se tais desejos forem ignorados, podem destruir, dilacerar brutalmente a personalidade e os mais caros laços de afeto por si mesmo de cada individuo, como ilustrado no desfecho do filme, que sugere que aquela vida dupla de Severine não tenha puramente passado de fruto do êxtase do seu imaginário infeliz, um sonho em suspenso. Mesmo com tanta intensidade, Buñuel não se excede nas diversas e delirantes situações eróticas do enredo, construindo com segurança e rara sutileza e equilíbrio uma insinuante história de sexualidade reprimida, sem que em nenhum momento resvale na pornografia ou caia em qualquer tipo de exageros (mesmo as cenas de nudez são muito poucas).

No inicio do filme, Séverine está a passear com o marido quando este ordena que ela desça do carro de viagem e pede aos cocheiros que a chicoteiem violentamente, cena de gozo pessoal da protagonista seguida por uma outra cena de violação, tudo sonho e fantasia da mulher mal-amada. Quem garante que as cenas no bordel não seriam também resultados dos devaneios que a infeliz esposa habituara-se a viver? Buñuel não deixa nada explicado, e o que resulta numa deliciosa dúvida a que a platéia não precisa se dar ao trabalho de resolver. Como nas melhores obras do mestre, tudo não passa de um convite do cineasta espanhol para que se sintam seus filmes, para que a gente se entregue a viagem percorrida pelos personagens, mesmo que nem sempre os compreendamos. Não que A Bela da Tarde seja demasiado obscuro, difícil ou incompreensível. Longe disso: talvez seja a mais acessível de suas obras ao grande público. Quase que impossível que alguém não se envolva pela trajetória de Severine e sua irremediável solidão, em paralelo com os homens que cruzam o seu caminho. Mesmo porque, caso a algum espectador a história não agrade, sempre haverá Deneuve como colírio durante toda a sessão.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

O Cão Andaluz/ A Idade de Ouro


Bem, voltando a escrever sobre obras-primas do cinema, retorno aos filmes de Luis Buñuel, concentrando-me em suas duas primeiras obras, O Cão Andaluz e A Idade de Ouro, radicais experiências surrealistas, clássicos incontestáveis do cinema mundial.
Esses dois primeiros filmes de Buñuel (ainda mais por terem sido feitos em parceria com Salvador Dali) são mesmo de pirar a cabeça de qualquer espectador, surrealistas ao extremo e anárquicos por excelência. O primeiro, O Cão Andaluz, a despeito de suas quase oito décadas de existência, ainda é em seus dezesseis minutos de duração o curta-metragem mais famoso, original e importante da história do cinema. Os franceses estavam a uma década obcecados em novas formas da então novíssima linguagem cinematográfica, mais especificamente, realizando experiências de vanguarda geralmente com resultados bastante próximos do abstrato e do dadaísmo. Cão Andaluz não chegou a ser a primeira experiência surrealista do cinema. A honra coube á La Coquille et lê Clergyman, dirigido por Germaine Dulac a partir de um argumento do poeta Antonin Artaud. Cão Andaluz é uma estranha combinação de imagens paradoxais e aparentemente desarmônicas (quase que um aspecto semelhante à dita montagem de atrações, de Eisenstein), uma incessante busca do insólito, do gratuito e do absurdo, como que de encontro a novas formas de metáforas poético-visuais, resultando em efeitos advindos de uma exploração do inconsciente humano, ou então do puro acaso, transpondo um universo onírico, caótico.

O filme começa com a supracitada cena do olho aberto por uma navalha de barbear, em paralelo com a Lua sendo atravessada por uma nuvem negra. Uma das imagens mais emblemáticas do cinema, porém um emblema desprovido de significados. Cada espectador interpreta esse momento com o que essa imagem possa representar para si mesmo. Pode ser o corte da vida pela morte, o corte de um amor pelo abandono, o corte traumático da virgindade por uma má iniciação... Tanto faz. O inconsciente de cada olhar poderá conferir significado às imagens dessa obra-prima surrealista, mesmo que nenhuma interpretação possa ser considerada definitiva e nem totalmente satisfatória, muito menos coerente com as intenções dos realizadores, que juram que não tinham intenção alguma ao confeccionar o célebre curta-metragem.

Outras cenas delirantes se sucedem: formigas saindo de um inexplicável buraco na mão do homem, ou, um pouco antes, quando este adquire feições animalescas ao agarrar a mulher amada. Esta se desprende do sujeito, e quando ele tenta segurá-la entre os braços novamente, o homem é impedido de tocá-la por ele se encontrar preso por duas extensas cordas em que estão enlaçadas algumas abóboras, dois religiosos e um piano amarrado com jumentos mortos. Aos que pretenderam interpretar o filme como uma combinação do surrealismo com a psicanálise, essa cena bastante alegórica poder-se-ia explicar da seguinte maneira: O Amor (impulso do homem) e a sexualidade (as abóboras) são contrariados (as cordas) pelos preconceitos religiosos (os seminaristas) e pelos conceitos da burguesia (o piano). Como já havia referido agora a pouco, Buñuel seria o primeiro a desmentir qualquer interpretação simbólica nessa sua obra de estréia. Para ele, o roteiro do filme é formado por imagens surpreendentes e absurdas sem significado algum, um filme experimental em que a forma seria mais importante que qualquer conteúdo. “No fundo, não é nada mais do que um desesperado, um apaixonado apelo ao crime”, resumiria o cineasta espanhol. Se bem que sou daqueles que pensam que, depois de lançada ao mundo, os significados de qualquer obra deixam de pertencer exclusivamente ao realizador, passando para o espectador a tarefa de com os olhos apurados e mente aberta extrair todo tipo possível de simbologia no contexto da obra de arte (desde que cada interpretação seja perfeitamente plausível, diga-se de passagem).
Mesmo com essas descrições aparentemente malucas das imagens criadas por Buñuel e Dali, ao espectador curioso e de mente aberta O Cão Andaluz vai sempre representar uma experiência sensorial absorvente, a despeito de que ao longo das décadas o filme vem causando atração ou repulsa aos olhos de quem o vê. Particularmente, acho que mesmo não o entendendo, O Cão Andaluz fascina mais facilmente, ao contrário do posterior A Idade de Ouro, onde continua valendo a questão do aparente desprovimento de significados de suas imagens. Só que aqui não há o mesmo tour-de-force delirante de cada fotograma do curto e conciso O Cão Andaluz, que faz com que para muitos seja uma experiência absolutamente fascinante, porém esse segundo filme é de um longa-metragem sonoro relativamente mais contido, com a maioria de suas cenas aparentemente mais banais (mas só na aparência), e um tom quase próximo do documental (impressão advinda de uns fragmentos de cine-jornal de um documentário sobre escorpiões, que abrem o filme), mas nem por isso menos estranho e surreal. Há quem diga que era uma tentativa de abolir de uma vez certas tendências gratuitas da vanguarda francesa da década de 20, sendo considerado o ponto final dos cinemas dadaístas e surrealistas ortodoxos daquela época. Que seja. O que importa é que é o filme mais virulento e transgressor de Buñuel. Nessa fase de transição, A Idade de Ouro representa uma ponte com todo o posterior cinema de narrativas relativamente mais usuais de Buñuel, com sua rebeldia e inconformismo diante das convenções estabelecidas, nunca abrindo mão de inserir cenas surreais e oníricas, cheias de uma dureza e de um humor corrosivo nem sempre fáceis de assimilar num primeiro olhar.

Buñuel e Dali inspiraram-se em alguns temas de Freud, do Marquês de Sade e de Karl Marx para criar o argumento de A Idade de Ouro. Mesmo assim, durante a produção, Dali se desligou do projeto, sendo que a única cena que ele criou foi a que um personagem anda com uma pedra na cabeça igual à estátua que ele acabara de cruzar. Dessa vez, o protagonista é um anti-herói subversivo e herege que, ao mesmo tempo em que costuma chutar cachorros de rua, condena hábitos de caridade espancando um mendigo, desafia as convenções sociais fingindo servir à sociedade (numa cena, ele esbofeteia uma senhora apenas porque essa acidentalmente derramou um pouco de bebida em sua roupa), sempre movido por seus impulsos sexuais e selvagens, quase místicos. De fato, quase que um precursor de Alex Delarge de Laranja Mecânica de Stanley Kubrick. Em A Idade de Ouro, uma história de um amor louco jamais concretizado, o ódio e o sexo perpassam por toda a película(Buñuel chega a inserir em algumas cenas objetos com aparência de órgãos genitais, como em um momento que mostra os dois namorados beijando-se impetuosamente). Mesmo que os impulsos irresistíveis façam com que o protagonista caia nos braços do personagem principal feminino do filme, esta nunca está satisfeita com o seu amor. Além de cenas que sugerem a masturbação da personagem, (como a que ela chupa os dedos de uma estátua), no final ela o abandona para se unir a um regente de orquestra. O anti-herói dá vazão a toda a sua fúria jogando para fora da janela uma árvore em chamas, um bispo e uma girafa de pau.

Aqui as imagens não querem soltar apenas o inconsciente, mas também libertar os homens das amarras sociais impostas pela sociedade, pelas instituições (mesmo que não haja significados, a não ser os que repousam na psique de cada um). Numa das cenas, durante uma elegante reunião de burgueses, vê-se atravessar pela sala carroças dentro das quais trabalhadores bebem vinho tinto. A indiferença com a aristocracia presente trata desse fato é a mesma com que numa outra cena uma mulher ordena para que uma vaca deitada em sua cama se retire do quarto.

No final, uma rebelião extermina centenas de pessoas por causa dessa indiferença toda. Os quatro sobreviventes desse massacre, após 120 dias de orgia (trecho adaptado da história de Sade), são vistos saindo do castelo em direção à Paris, guiados pelo Duque de Blangis com uma indisfarçável aparência de Jesus Cristo (o próprio!). Desfecho brilhante e totalmente coerente com os propósitos do mestre do surrealismo sempre disposto a construir suas provocantes críticas à sociedade, no caso do final de A Idade de Ouro, uma cena que mereceu de Henry Miller um artigo intitulado com muita propriedade de Orgia Divina.

Para encerrar exemplificando toda a polêmica desse filme, basta dizer que, depois que os cinemas na estréia do filme tiveram suas sessões impossibilitadas pelos atos de vandalismo dos radicais que destruíram poltronas e atiraram bombas sobre a tela, A Idade de Ouro foi interditado na França por cinco décadas inteiras! Depois desses filme, Buñuel teve que partir para a Espanha, onde assumiu de vez uma tomada de consciência social realizando um documentário sobre as péssimas condições uma região miserável de seu de seu país, visto por muitos críticos quase que como um prenúncio do terror da Guerra Civil Espanhola. De qualquer modo, sem conseguir financiamento para filme qualquer na Europa, acabou indo para o México, onde começou realizando filmes comerciais, melodramas musicais baratos. Mas sua força criadora permaneceu viva e, quando no mundo civilizado ninguém lembrava mais dele, ressurgiu realizando grandes filmes que jogaram os holofotes novamente em torno dele, possibilitando que ele retornasse à Europa para realizar na Espanha a obra-prima Viridiana, prontamente causadora de muitas polêmicas e logo proibida, o que fez com que Buñuel se retirasse da Espanha novamente para regressar ao México e dirigir o seu melhor filme: O Anjo Exterminador(comentado outro dia aqui nesse blog).






segunda-feira, 11 de junho de 2007

Crônica do Dia dos Namorados

Posso levantar as mãos para o céu e agradecer pelo lucro que tive nesse 12 de junho Dia dos Namorados. Se eu tivesse namorada, teria que gastar uma boa porcentagem de minha renda em algum presente muito bonito (e consequentemente caro): um perfume sofisticado, uma lingerie atraente... Em vez disso, pude me dar ao luxo de investir meu escasso dinheirinho em doze dvds que comprei da loja virtual da 2001 para pagar parcelado no cartão de crédito. Se a VISA não tiver que colocar a Policia atrás de mim para me cobrar caso eu não puder pagar esses filmes, nos próximos meses terei praticamente um acervo inestimável de clássicos do cinema:alguns dos primeiros filmes de David Lean ( Grandes Esperanças e Uma Mulher do Outro Mundo), dois Hitchcock da fase inglesa ( Sabotagem e Jovem e Inocente), três clássicos da dupla de realizadores Michael Powell e Emeric Pressburger (Coronel Blimp – Vida e Morte, Narciso Negro e Sapatinhos Vermelhos), Henrique V, de Laurence Olivier, a produção alemã O Tambor, o japonês Furyo – Em Sua Honra. O extraordinário Sindicato de Ladrões, que em seu estupendo argumento tem, entre outros méritos, pela primeira vez apresentar Marlon Brando apanhando que nem mulher de brigadiano (acreditem, a partir desse filme isso se tornaria constante na carreira de Brando, que na maioria de seus filmes insistia com os diretores para que adicionassem cenas de agressão sadomasoquistas sofridas por seus personagens), E para coroar esse conjunto de obras-primas que presenteei a mim mesmo em pleno mês do Dia dos Namorados, um cult contemporâneo (e imprescindível) de David Cronenberg (para mim, o melhor filme do diretor canadense): Mistérios e Paixões. Para quem não conhece, essa adaptação da obra do escritor beat William Burroughs é sobre um escritor que trabalha como exterminador de baratas, cuja esposa é viciada no inseticida com que ele trabalha. Um delírio surreal que envolve insetos que falam, máquinas de escrever cujas teclas literalmente brigam com o escritor, tudo pontuado sob um belíssimo sax da trilha jazzística. Impagável.

Enfim, doze de junho é o melhor dia do ano para não se ter uma namorada. Não que eu abomine namoros ou namoradas. É que simplesmente detesto datas comerciais como essa ( da mesma forma forma que não vejo graça nenhuma nem no meu aniversário, que para mim é uma data qualquer), bem como o Natal, Ano-Novo, Páscoa, etc. Sou pobre de nascimento e solteiro por convicção. Considero-me um cara legal, um sujeito realmente bacana, porém nenhuma mulher me suportaria mais do que dez horas seguidas. Gosto de mulheres e de relacionamentos, mas prefiro construir sólidas histórias de amor com as que tenho afinidades pessoais e oportunidades de convivência, sem necessariamente ter que me prender à compromissos morais que estejam à um passo de algo próximo do que é o matrimônio, ou estar atado à fortes laços que ocupariam um espaço imprescindível de minha privacidade. Preciso de tempo para os livros que ainda tenho que escrever, ao mesmo tempo em que não posso abrir mão das muitas horas necessárias para deglutir a quantidade ilimitada de obras cinematográficas que ainda tenho que ver/rever. Sem falar nas mulheres com as quais não possuo afinidade nenhuma, cujos níveis culturais estão abaixo de zero, e que infelizmente parecem compor a estúpida maioria da ala feminina que nos últimos anos foi educada por uma novela de conteúdo tão tosco e de profunda superficialidade como (apenas para citar um exemplo) o seriado de TV Malhação. Uma pena que um programinha desses pareça ter definido o padrão de estilo de garotas da atualidade. Não que seja necessário que as mulheres conheçam a obra de Dostoievski do primeiro ao último volume. Porém um mínimo de afinidade é primordial para o estabelecimento de uma relação, para o surgimento de uma cumplicidade, um envolvimento maior. Como conviver com uma mulher que não está nem aí quando tentamos convencê-la da grandeza dos filmes de Stanley Kubrick (apenas para citar mais um exemplo óbvio)? Ou da maravilhosa obra de Luchino Visconti? Ou com aquelas que não querem nem ouvir a hipótese de ler os escritos cintilantes de Clarice Lispector? O pior é quando se fala em baladas...Apesar de gostar de beber e sair á noite, odeio esse tipo de lugar onde cobram uma entrada caríssima para ingressar num salão com música horrenda tocando altíssimo, tornando inviável qualquer conversa que se queira estabelecer, pois é praticamente impossível escutar o que a pessoa ao lado diz.

Mas não sejamos tão pessimistas. A par de minha vontade em escrever um texto com a minha peculiar e sombria visão niilista do mundo, existem sim mulheres maravilhosas cujas companhias são um privilégio indescritiveis para nós homens. Mas que nesse Dia dos Namorados eu tive um lucro e tanto, isso eu não poderia negar.

Movimento Cinema Livre

Movimento Cinema Livre - Orkut

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