quarta-feira, 26 de setembro de 2007

LOLITA: Uma história, dois filmes

O romance Lolita de Vladimir Nabokov (lançado em 1955) é uma das grandes obras literárias do século XX (por sinal, foi eleito o 4º melhor romance em língua inglesa do século). É uma história forte, poderosa, que mexe com a gente e nos faz rever conceitos, conhecer dimensões novas e diferentes do ser humano quando impulsionados por paixões e obsessões, por mais estranhas e doentias que possam nos parecer. Mas hoje gostaria de comentar sobre as duas adaptações que se fez do romance para o cinema: a de 1962, dirigida por Stanley Kubrick, e a mais recente, de 1997, por Adrian Lyne. Uns preferem a primeira, outros defendem a suposta superioridade da segunda.

Eu gosto das duas versões. A versão de 97 conta com uma grande vantagem que foi por possuir uma relativa liberdade que Stanley Kubrick não pode ter no inicio da década de 60, quando Kubrick sofreu nas mãos da censura, o que atrapalhou o resultado final do seu filme. O Lolita de Adrian Lyne (um cineasta que eu não gosto) tem o mérito de ser mais provocante, sensual sem ser pornográfico, ao mesmo tempo em que caprichou no clima melancólico, romântico, doentio e fatalista. O visual colorido também é belíssimo, o que proporcionou cenas lindas e inesquecíveis, como a da primeira aparição de Dolores deitada na grama do jardim de sua casa, lendo um livro ou folheando um álbum de revista, toda molhada pela água das mangueiras que estavam por perto, quando então levanta os olhos e enxerga Humbert Humbert pela primeira vez. Quem viu, sabe. Tudo realçado pela ótima trilha de Ennio Morricone.

Quanto a Dominique Swain, ela realmente é uma atriz ruim, bastante fraca (também assisti com ela o filme Perversas Intenções, onde ela está totalmente apagada), e que vai ficar marcada pelo seu papel de Lolita, da mesma forma que aconteceu com Sue Lyon, que também não era lá essas coisas como atriz dramática, e que não conseguiu seguir carreira mais satisfatória. Mas a grande vantagem de Dominique, é que ela realmente parece uma ninfeta de doze, treze, quatorze anos, cheia de charme e provocação, ao contrário de Sue na versão de 62, que parecia ter quase vinte anos de idade, e que era muito mais pudica, assim como praticamente todo filme, o que atrapalhou o inegável apelo erótico que a história possui. E particularmente também prefiro o Humbert de Jeremy Irons, que faz com que o espectador sinta compaixão pelo personagem, por mais monstruoso que ele seja, ao contrário de James Mason na versão antiga, que construiu uma caracterização muito mais repugnante, pérfido e detestável. Kubrick e Mason nos distanciam do personagem, fazendo com que sintamos ódio por ele. Por outro lado, Lyne e Irons nos aproximam dos aspectos humanos de Humbert sem que isso em momento algum nos impeça de reconhecer o caráter de criminoso do qual o personagem não consegue fugir, escapar.

Por fim, o grande mérito da versão de 1997 é ter sido bem mais fiel ao livro, transportando melhor a essência e condensando com mais fidelidade o fascinante romance de Vladimir Nabokov. Embora o próprio Nabokov tenha escrito o script da versão de 1962, o roteiro que ele criou para o filme era todo desordenado, e em sua totalidade renderia um filme de sete horas de duração. Nabokov era excelente romancista, mas não entendia nada da carpintaria de cinema, sobre a confecção de um filme. Kubrick acabou usando apenas fragmentos desse roteiro. Mas se como adaptação do romance a versão de 1997 é melhor, como cinema o filme de 1962 não deixa de ser superior. Se o espectador deixar de lado o romance original, vai se deparar com uma obra cinematográfica mais bem-construida, uma narrativa visualmente melhor costurada, mais bem-acabada. Aí é que entra o talento do diretor. Porque o Lolita de 1962 é um belo filme que adquire grande vigor e vida própria se a platéia não insistir em fazer comparações com o livro que o inspirou. Drama, comédia e romance proibido e escandaloso conjugados com perfeição admirável, principalmente um muito bem-vindo bom humor que faltaria na versão de Adrian Lyne, humor esse que viria principalmente nas mãos, caras e bocas das gracinhas de Peter Sellers, absolutamente sensacional do papel de Quilty, roubando cenas o tempo todo com sua grande presença em cena (talvez seu melhor momento no filme seja quando ele se finge de psiquiatra alemão e se encontra com Humbert. É uma cena incrível: Humbert entra em sua própria casa, acende a luz e se depara com Sellers travestido em outro personagem, o que faz com que o espectador quase dê um pulo da cadeira). Basta dizer que Sellers esteve tão marcante nesse filme que logo em seguida Stanley Kubrick lhe ofereceria não um, mas quatro papéis diferentes em seu filme seguinte, Dr. Fantástico (Sellers acabou representando três desses personagens em Dr. Fantástico, sempre com perfeição).

Enfim, o melhor que se pode dizer é que o ideal é preservar por perto ambas as versões de Lolita para o cinema, ter as duas lado a lado na videoteca. Uma completa a outra, elas se complementam. Duas visões diferentes de uma mesma história, linda, única, triste e maravilhosa.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

The Holy Mountain - Jodorowsky

Quando em minha mente associo cinema à internet, uma das primeiras lembranças que me vem é The Holy Mountain, de Alejandro Jodorowsky. Isso geralmente acontece porque se não fosse o veículo virtual certamente não o conheceria, muito menos o teria em DVD (baixei-o via torrent, nenhuma distribuidora ainda se dignou a lançar esse ou qualquer outro do diretor no Brasil). Tá certo, tá certo, filmes de Jodorowsky tem sido de tempos em tempos exibidos em mostras de cinema, porém mesmo informações sobre o diretor são muito difíceis de encontrar fora da internet. É raro às vezes em que ele foi citado em livros, guias de vídeo, jornais ou revistas de cinema. Televisão então, nem pensar! Jodorowsky sempre foi privilégio de um restritíssimo grupo de muitos poucos admiradores, principalmente aos cinéfilos que também são ligados em gibis (o que confesso que não é o meu caso, desconhecedor da área), em virtude de Jodorowsky ser famoso como autor de histórias em quadrinhos. Mas foi com a internet que seu nome se espalhou entre os cinéfilos mais atentos, e embora ainda continue como um caso clássico de cineasta mais comentado do que assistido, essa situação tem mudado com cada vez mais espectadores assistindo aos seus poucos (porém essências) filmes.

Nascido no Chile, teve que rodar o mundo para que sua obra tivesse um lugar ao sol no panorama da Arte mundial do século XX. Palhaço de circo e artista de marionetes em seu país durante sua juventude, emigrou para a França, onde se envolveu com diversos artistas da época, realizando um primeiro filme (o curta-metragem La Cravate), com o incentivo de Jean Cocteau, que se encantou com essa obra de estréia. No entanto, esse filme sumiu, e foi dado como desaparecido durante 49 anos, até ser descoberto na Alemanha em 2006, o que fez reforçar o culto em torno do nome do diretor. Jodorowsky dirigiu seu olhar em outras áreas, e com Fernando Arrabal, criou o Movimento Panique, grupo multimídia que fazia performances ao vivo misturando teatro de vanguarda, literatura e cinema. Depois escreveu diversos livros e peças de teatro, e no final da década de 60, já radicado no México, continuou dirigindo peças de vanguarda, ao mesmo tempo em que intensificou sua produção de histórias em quadrinhos e estreou “oficialmente” no cinema com Fando y Lis, uma bela e muito estranha história de amor entre uma aleijada de cadeira de rodas e seu fiel namorado, um filme que já carrega influências de cineastas que marcaram o diretor, como Luis Buñuel e até Glauber Rocha, este último uma inspiração confessa de Jodorowsky, que assistia a seus filmes e que se inspirou em Deus e o Diabo na Terra do Sol para criar seu segundo longa, o faroeste surrealista El Topo. Mais tarde, Glauber se encantaria com The Holy Mountain, ao declarar a Luiz Rosemberg Filho: "Você não pode deixar de ver A Montanha Sagrada. É uma porrada imperdível".

Mas o mais importante sobre El Topo é que, por fugir tanto do cinema convencional, o seu distribuidor nos Estados Unidos passou a exibi-lo em sessões a meia-noite e com a grande divulgação de seu admirador John Lennon, se tornaria o primeiro filme a ser considerado um cult-movie, iniciando as famosas sessões da meia-noite com filmes marginais de baixo orçamento e conteúdo ousado e escandaloso, como os filmes de John Waters, os primeiros filmes pornôs exibidos comercialmente (Garganta profunda, Atrás da Porta Verde, O Diabo na Carne de Miss Jones, também O Masacre da Serra Elétrica original e até o extraordinário Eraserhead (primeiro longa de David Lynch), passando, é claro, pelo maior sucesso dos filmes da meia-noite, The Rock Horror, exibido anos a fio para uma platéia que conhecia todo o filme de cor e reproduziam diálogos e situações durante as sessões. Além disso, foi possível redescobrir filmes “malditos” como Freaks, de Tod Browning, e se conhecer a obra de Ed Wood Jr., desde então tido como o “pior” cineasta de todos os tempos.

Essa época possibilitou para Jodorowsky a realização, em co-produção com os norte-americanos, de The Holy Mountain, talvez seu maior filme, cada vez mais cultuado pelo mundo afora. Uma das maiores extravagâncias visuais e sonoras que já se fez, uma sucessão ininterrupta de cenas, situações e tipos bizarros desfilando na tela do primeiro ao ultimo fotograma, uma obra inclassificável que foge de qualquer possibilidade de classificação. Gênero? Esqueça. Não pergunte a mim e nem a qualquer outro individuo que conheça o filme sobre qual gênero na mais remota das hipóteses The Holy Mountain pertence em sua estranha tessitura dramática. Uma experiência cinematográfica ímpar. Lembra aqueles primeiros filmes de Buñuel e Dali, também com influências de seu mestre Fernando Arrabal, surrealistas e anárquicos ao extremo, só que claro, com muito mais sangue e violência. Jodorowsky com imagens poderosas faz um cinema grotesco, delirante, feio e belo. É com certeza um dos diretores que mais fugiu do convencional, das amarras impostas pelo cinema tradicional, mostrando alucinadamente coisas que pouquíssimos outros cineastas fariam.

The Holy Mountain começa com um sósia de Jesus Cristo perambulando por uma cidade não-identifica de um oprimido país possivelmente da América Latina, onde escancara eventos sensacionalistas, em um mundo dominado pelo fascismo (uma das cenas mais célebres é a do desfile dos militares carregando bezerros crucificados). Perseguido, açoitado, sozinho, esse falso Cristo é atirado em meio a um grande número de bonecos com a face de Cristo. Um dos momentos mais estranhos é quando o personagem começa a mastigar uma dessas imagens e mandando para o espaço em balões. Sua revolta faz com que ele tente carregar um desses bonecos para uma igreja, de onde é impiedosamente expulso. Por fim, encontra um misterioso alquimista (interpretado pelo próprio Jodorowsky), que literalmente, entre outras lições, o ensina a transformar merda em ouro. O tal do alquimista trata de reunir um grupo de milionários que vieram de outros planetas e que passaram a vida inteira na Terra com a única ambição de juntar fortuna. A idéia do alquimista é levá-los ao topo de uma montanha sagrada, onde pretendem encontrar sacerdotes imortais com o segredo da eternidade, mas desde que cada um desses burgueses despoje-se de toda a riqueza reunida e deixe de lado a propensão à individualidade, egoísmo e ambição.

O filme é de uma incrível concepção visual de cores, quadros e texturas estonteantes que ao mesmo tempo nos seduzem e nos causam repulsa. Também é uma das mais atordoantes coleções de cenas bizarras, surreais e porras-loucas da história do cinema: a invasão e a conseqüente explosão dos sangues de uma infinidade de sapos, a máquina de fazer sexo (na verdade, uma vagina mecânica que quando excitada é capaz de chegar ao orgasmo), um anão sem um braço endoidecido destruindo tudo, demais seres deformados ou decapitados, a coroa de cabelo azul-piscina, animais assassinados, lavagem cerebral em crianças para terem ódio e serem úteis em futuras guerras, as armas fabricadas para serem usadas por judeus, budistas e cristãos, o velho pedófilo que arranca o próprio olho para entregar a prostituta infantil, o outro ancião andrógino cujos mamilos são oncinhas que esporram leite, etc.
Depois disso, infelizmente Jodorowsky brigou com seu produtor norte-americano, que impediu exibições de El Topo e The Holy Mountain por três décadas, e tentou sem sucesso fazer uma versão cinematográfica do romance "Duna" (mais tarde filmado de maneira mediocre por David Lynch), que teria a participação de Orson Wellese Salvador Dali, trilha sonora de Pink Floyd, e a colaboração visual dos artistas H. R. Giger, Dan O’Bannon e Moebius. Nas ultimas décadas Jodoroswky tornou-se um diretor bissexto, que vez por outra lança algum filme, o mais relevante deles, Santa Sangre. Por isso dedicou-se mais a escrever alguns romances, e principalmente à prática do taro e das histórias em quadrinhos. A boa noticia é que depois de ser redescoberto no Festival de Cannes em 2006, nesse moemnto prepara-se para dirigir mais um filme. É aguardar para ver.

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