quarta-feira, 12 de setembro de 2007

The Holy Mountain - Jodorowsky

Quando em minha mente associo cinema à internet, uma das primeiras lembranças que me vem é The Holy Mountain, de Alejandro Jodorowsky. Isso geralmente acontece porque se não fosse o veículo virtual certamente não o conheceria, muito menos o teria em DVD (baixei-o via torrent, nenhuma distribuidora ainda se dignou a lançar esse ou qualquer outro do diretor no Brasil). Tá certo, tá certo, filmes de Jodorowsky tem sido de tempos em tempos exibidos em mostras de cinema, porém mesmo informações sobre o diretor são muito difíceis de encontrar fora da internet. É raro às vezes em que ele foi citado em livros, guias de vídeo, jornais ou revistas de cinema. Televisão então, nem pensar! Jodorowsky sempre foi privilégio de um restritíssimo grupo de muitos poucos admiradores, principalmente aos cinéfilos que também são ligados em gibis (o que confesso que não é o meu caso, desconhecedor da área), em virtude de Jodorowsky ser famoso como autor de histórias em quadrinhos. Mas foi com a internet que seu nome se espalhou entre os cinéfilos mais atentos, e embora ainda continue como um caso clássico de cineasta mais comentado do que assistido, essa situação tem mudado com cada vez mais espectadores assistindo aos seus poucos (porém essências) filmes.

Nascido no Chile, teve que rodar o mundo para que sua obra tivesse um lugar ao sol no panorama da Arte mundial do século XX. Palhaço de circo e artista de marionetes em seu país durante sua juventude, emigrou para a França, onde se envolveu com diversos artistas da época, realizando um primeiro filme (o curta-metragem La Cravate), com o incentivo de Jean Cocteau, que se encantou com essa obra de estréia. No entanto, esse filme sumiu, e foi dado como desaparecido durante 49 anos, até ser descoberto na Alemanha em 2006, o que fez reforçar o culto em torno do nome do diretor. Jodorowsky dirigiu seu olhar em outras áreas, e com Fernando Arrabal, criou o Movimento Panique, grupo multimídia que fazia performances ao vivo misturando teatro de vanguarda, literatura e cinema. Depois escreveu diversos livros e peças de teatro, e no final da década de 60, já radicado no México, continuou dirigindo peças de vanguarda, ao mesmo tempo em que intensificou sua produção de histórias em quadrinhos e estreou “oficialmente” no cinema com Fando y Lis, uma bela e muito estranha história de amor entre uma aleijada de cadeira de rodas e seu fiel namorado, um filme que já carrega influências de cineastas que marcaram o diretor, como Luis Buñuel e até Glauber Rocha, este último uma inspiração confessa de Jodorowsky, que assistia a seus filmes e que se inspirou em Deus e o Diabo na Terra do Sol para criar seu segundo longa, o faroeste surrealista El Topo. Mais tarde, Glauber se encantaria com The Holy Mountain, ao declarar a Luiz Rosemberg Filho: "Você não pode deixar de ver A Montanha Sagrada. É uma porrada imperdível".

Mas o mais importante sobre El Topo é que, por fugir tanto do cinema convencional, o seu distribuidor nos Estados Unidos passou a exibi-lo em sessões a meia-noite e com a grande divulgação de seu admirador John Lennon, se tornaria o primeiro filme a ser considerado um cult-movie, iniciando as famosas sessões da meia-noite com filmes marginais de baixo orçamento e conteúdo ousado e escandaloso, como os filmes de John Waters, os primeiros filmes pornôs exibidos comercialmente (Garganta profunda, Atrás da Porta Verde, O Diabo na Carne de Miss Jones, também O Masacre da Serra Elétrica original e até o extraordinário Eraserhead (primeiro longa de David Lynch), passando, é claro, pelo maior sucesso dos filmes da meia-noite, The Rock Horror, exibido anos a fio para uma platéia que conhecia todo o filme de cor e reproduziam diálogos e situações durante as sessões. Além disso, foi possível redescobrir filmes “malditos” como Freaks, de Tod Browning, e se conhecer a obra de Ed Wood Jr., desde então tido como o “pior” cineasta de todos os tempos.

Essa época possibilitou para Jodorowsky a realização, em co-produção com os norte-americanos, de The Holy Mountain, talvez seu maior filme, cada vez mais cultuado pelo mundo afora. Uma das maiores extravagâncias visuais e sonoras que já se fez, uma sucessão ininterrupta de cenas, situações e tipos bizarros desfilando na tela do primeiro ao ultimo fotograma, uma obra inclassificável que foge de qualquer possibilidade de classificação. Gênero? Esqueça. Não pergunte a mim e nem a qualquer outro individuo que conheça o filme sobre qual gênero na mais remota das hipóteses The Holy Mountain pertence em sua estranha tessitura dramática. Uma experiência cinematográfica ímpar. Lembra aqueles primeiros filmes de Buñuel e Dali, também com influências de seu mestre Fernando Arrabal, surrealistas e anárquicos ao extremo, só que claro, com muito mais sangue e violência. Jodorowsky com imagens poderosas faz um cinema grotesco, delirante, feio e belo. É com certeza um dos diretores que mais fugiu do convencional, das amarras impostas pelo cinema tradicional, mostrando alucinadamente coisas que pouquíssimos outros cineastas fariam.

The Holy Mountain começa com um sósia de Jesus Cristo perambulando por uma cidade não-identifica de um oprimido país possivelmente da América Latina, onde escancara eventos sensacionalistas, em um mundo dominado pelo fascismo (uma das cenas mais célebres é a do desfile dos militares carregando bezerros crucificados). Perseguido, açoitado, sozinho, esse falso Cristo é atirado em meio a um grande número de bonecos com a face de Cristo. Um dos momentos mais estranhos é quando o personagem começa a mastigar uma dessas imagens e mandando para o espaço em balões. Sua revolta faz com que ele tente carregar um desses bonecos para uma igreja, de onde é impiedosamente expulso. Por fim, encontra um misterioso alquimista (interpretado pelo próprio Jodorowsky), que literalmente, entre outras lições, o ensina a transformar merda em ouro. O tal do alquimista trata de reunir um grupo de milionários que vieram de outros planetas e que passaram a vida inteira na Terra com a única ambição de juntar fortuna. A idéia do alquimista é levá-los ao topo de uma montanha sagrada, onde pretendem encontrar sacerdotes imortais com o segredo da eternidade, mas desde que cada um desses burgueses despoje-se de toda a riqueza reunida e deixe de lado a propensão à individualidade, egoísmo e ambição.

O filme é de uma incrível concepção visual de cores, quadros e texturas estonteantes que ao mesmo tempo nos seduzem e nos causam repulsa. Também é uma das mais atordoantes coleções de cenas bizarras, surreais e porras-loucas da história do cinema: a invasão e a conseqüente explosão dos sangues de uma infinidade de sapos, a máquina de fazer sexo (na verdade, uma vagina mecânica que quando excitada é capaz de chegar ao orgasmo), um anão sem um braço endoidecido destruindo tudo, demais seres deformados ou decapitados, a coroa de cabelo azul-piscina, animais assassinados, lavagem cerebral em crianças para terem ódio e serem úteis em futuras guerras, as armas fabricadas para serem usadas por judeus, budistas e cristãos, o velho pedófilo que arranca o próprio olho para entregar a prostituta infantil, o outro ancião andrógino cujos mamilos são oncinhas que esporram leite, etc.
Depois disso, infelizmente Jodorowsky brigou com seu produtor norte-americano, que impediu exibições de El Topo e The Holy Mountain por três décadas, e tentou sem sucesso fazer uma versão cinematográfica do romance "Duna" (mais tarde filmado de maneira mediocre por David Lynch), que teria a participação de Orson Wellese Salvador Dali, trilha sonora de Pink Floyd, e a colaboração visual dos artistas H. R. Giger, Dan O’Bannon e Moebius. Nas ultimas décadas Jodoroswky tornou-se um diretor bissexto, que vez por outra lança algum filme, o mais relevante deles, Santa Sangre. Por isso dedicou-se mais a escrever alguns romances, e principalmente à prática do taro e das histórias em quadrinhos. A boa noticia é que depois de ser redescoberto no Festival de Cannes em 2006, nesse moemnto prepara-se para dirigir mais um filme. É aguardar para ver.

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