terça-feira, 29 de janeiro de 2008

CAÇADA HUMANA (The Chase)


Bem no meio da agitadíssima década de 60, em que o mundo (e, por tabela, o cinema) passava por intensas transformações sociais, um dos filmes americanos que primeiro se aproveitou de sua época para explorar essa mudança de costumes foi CAÇADA HUMANA (The Chase), dirigido por Arthur Penn em 1966. Injustamente esquecido como grande cineasta que era, Penn já havia se estabelecido em Hollywood como uma autêntica revelação por causa do enorme sucesso de O Milagre de Anne Sullivan e do pouco conhecido Mickey One (considerado por muitos uma pequena obra-prima) e deflagraria um novo modelo de filme hollywoodiano (mais cínico, violento, crítico e amoral) com o retumbante sucesso mundial de Bonnye & Clyde, em 1967. Mas um pouco antes realizaria o denso, sério CAÇADA HUMANA, que infelizmente não teve a mesma sorte de angariar um êxito comercial e popular que pelas suas qualidades o filme bem que merecia. Bubber Reeves (Robert Redford) é um presidiário rebelde e imprevisível que escapa da cadeia mesmo que seu período de prisão esteja relativamente perto de terminar. Ele foge com um companheiro e este mata um homem, ficando ele acusado pelo assassinato e então se dirige a sua cidade natal, uma pequena localização do Texas, e isso abala radicalmente o cotidiano, tédio, ganância e mesquinharia de toda população local, acostumada com a tranqüilidade e monotonia do dia-a-dia, mas afeta sobretudo a rotina do xerife Carder (Marlon Brando), o encarregado de manter a ordem. Além de ter que encontrar e prender o foragido, o xerife precisa cuidar e evitar que pessoas próximas ao prisioneiro o ajudem, como a sua mãe (uma envelhecida Miriam Hopkins, estrela de clássicos da década de 30), e especialmente a esposa do condenado (Jane Fonda, prestes a se tornar símbolo sexual), que se mantém como prostituta e a quem o marido acaba recorrendo. Mas mais perigoso para o xerife é ter que conter a ação de muitos da cidade que querem acertar contas com o fugitivo, entre eles um poderoso milionário, Val Rogers (E. G. Marshall), desesperado em encobrir a paixão do filho (James Fox) pela esposa do presidiário. Rogers é um magnata do petróleo que é o manda-chuva do lugar e que procura controlar a tudo e a todos (incluindo o próprio xerife, a quem conferiu o importante cargo que ocupa) e pretende aproveitar a oportunidade para de uma vez por todas eliminar o criminoso, mas o xerife faz questão que tudo se resolva dentro da lei. Brando interpreta um personagem que é uma mistura de dureza e fragilidade, atuando com a naturalidade e até displicência que lhe era característica, com alguns maneirismos que são recorrentes em sua carreira de ator, como coçar o nariz e falar fanho, além da predileção por cenas em que é vitima de agressões físicas de modo bastante exagerado. À parte disso, é o seu personagem que tenta inserir sensatez num ambiente que se transforma em um circo de proporções gigantescas e que parece que não terá um outro desfecho senão a tragédia. O filme ainda tem Robert Duvall como um marido covarde, em pânico com a chegada do fugitivo, tendo inclusive solicitado a proteção pessoal do xerife, o que faz com que ele seja vitima de chacotas e zombarias de todos ao seu redor, e também conta com a presença de Angie Dickson, no papel da esposa do xerife. Descrito dessa maneira, o enredo de CAÇADA HUMANA nada tem de diferente, fazendo parecer que o filme ainda é ligado as estruturas clássicas do cinema americano, o que de fato não deixa de ser verdade. O que o filme acrescentou de novo ao panorama cinematográfico de seu país naquele tempo foi a preocupação em retratar uma espécie de crise da sociabilidade americana, um clima de violência e intolerância que se instalava naquele período por causa da tal revolução de costumes (crises sócio-políticas, consolidação do rock, movimento da contracultura e certa liberdade sexual). Mais do que um filme policial que a sinopse pode sugerir, esse é um drama de ação voltado às relações sociais e psicológicas dos personagens, com uma certa violência de gestos, de palavras que cria um clima de ferocidade contida quase sempre prestes a explodir na tela. O roteiro, da escritora Lillian Hellman, baseado em romance de Horton Foote, apresenta uma visão pessimista do ser humano, formando um painel crítico da falsa elegância do puritanismo da América, com temas como racismo, injustiça, hipocrisia, intolerância e alienação, tudo de um modo concreto que está muito longe de qualquer idealização. Por trás de uma história aparentemente policial, esconde-se uma trama cheia de surpresas podres. Vários problemas de produção, bastante divulgados na época, atrapalham esse filme brilhante que bem poderia ser descrito como uma “obra-prima maldita”, termo utilizado para filmes que, mesmo realizados por grandes cineastas, baseados em livros importantes ou com a participação de roteiristas talentosos, não resultaram à altura do esperado por alguns percalços de produção, locações complicadas, escalação inadequada de elenco, etc. Mas seu potencial está visível, latente, mesmo que nas entrelinhas ou perdido entre planos e seqüências, deixando antever o que poderia ter sido, em circunstâncias normais (o Truffaut chamava de "grandes filmes doentes"). Caçada Humana é um exemplo perfeito dessa definição. As filmagens foram um caos, e o diretor teve dificuldades em dar unidade para uma narrativa incompleta, pelo fato de o roteiro não ter sido integralmente filmado devido às atribulações com o estrelismo do atores, incluindo abandono de set. O filme acabou se tornando um pouco disperso e irregular em alguns momentos, com seu excesso de personagens e subtramas, mas não deixa de ter um resultado vigoroso, uma obra de altíssima qualidade.

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