domingo, 6 de janeiro de 2008

Corrida Contra o Destino


Sou fascinado pelo cinema americano da década de setenta. Os cineastas tanto os consagrados quanto os mais obscuros tinham uma liberdade dramática e temática (somada a uma evolução tecnológica cinematográfica) inéditas para experimentar, arriscar. Por outro lado, os Estados Unidos viviam uma época de crise com o envolvimento na guerra do Vietnã, a questão do petróleo, manifestações sociais violentas. Esse quadro acabou se refletindo nas telas de cinema, com filmes cada vez mais ousados, contundentes, dramáticos, abordando a juventude rebelde com absoluto realismo e se preocupando mais em retratar personagens à margens da sociedade do que vangloriar os mais profundos mitos americanos.Eram obras de alta dramaticidade e maturidade obtidas com total minimalismo, com efeitos puramente cinematográficos. Parecia que o cinema rumava para um estágio superior, refletindo de forma artística sua época sem perder a noção da empatia, de cativar. Mesmo as tentativas de recuperação dos musicais (principalmente os dirigidos por Bob Fosse)ou dos faroestes (BUTCH CASSIDY e MEU ÓDIO SERÁ TUA HERANÇA, ambos do final da década anterior), longe de serem irrelevantes fantasias escapistas, tiveram que passar pelo crivo das novas exigências,com uma tomada de posição diante da realidade. Até em super-produções, se fazia um retrato pouco simpático de um general americano, como em PATTON... Ou a própria ficção-científica, que nos brindava com filmes como O PLANETA DOS MACACOS, O ENIGMA DE ANDRÔMEDA, A ÚLTIMA ESPERANÇA DA TERRA... Obras ainda atuais, perfeitas, tanto em forma quanto conteúdo (sem mencionar 2001, Uma Odisséia no Espaço, que transcende qualquer gênero ou rótulo). Enfim, mesmo os filmes de ação da época eram diferenciados e filmes menores atingiam uma àspera grandeza que os tornam realmente marcante. Um dos exemplos mais notáveis é o fantástico CORRIDA CONTRA O DESTINO (Vanishing Point), que volta e meia me encontro revendo no aparelho de DVD. É sobre um cara, Kowalski, que aceita o desafio de viajar mais de 1500 Km em 15 horas, guiando seu Challenger Branco 1970 de Denver, no Meio-Oeste americano, até São Francisco, no Extremo-Oeste. Uma missão quase impossivel. A policia rodoviária promove uma grande e incansável perseguição no encalço do obstinado motorista, disposto a tudo a cumprir seu objetivo. Com roteiro assinado pelo escritor cubano Guillermo Cabrera Infante (com o pseudônimo de Guillermo Cain), é um filme com estilo bem anos setenta, sério, adulto, consistente, emocionante, vigoroso, contundente, critico, uma revolta ao establishiment e às regras impostas pelo sistema e com final de grande impacto. O filme inteiro é uma sensação mista de alegria, tristeza, liberdade, dor, lamento O herói (se é que pode-se chamar assim ao protagonista) é interpretado por um ator (Barry Newman) sem estrela, competente mas sem carisma e sem beleza, ao contrário de dez em cada dez filmes de ação e aventura que se tem feito nos últimos vinte anos. Há que se destacar também a inspiradissima participação especial de Cleavon Little como o disc-jóquei cego e negro que incentiva e acompanha a jornada do motorista através do rádio (por sinal, a trilha sonora é um primor, cheia de belos clássicos do rock). Talvez seja o melhor filme de carros já realizado, com emocionantes perseguições de automóveis. Com tema bastante semelhante ao de Easy Rider-Sem Destino, é bem superior a esse e é mais admirado nas revisões do que na primeira vez que se assiste. Parece que Tarantino se inspirou um pouco nele para realizar o seu recente Death of Prove. Filmaço. Mas fujam de um estúpido remake realizado nos anos 90 com Viggo Mortensen (bem canastrão), que jogou para o espaço todas as qualidades e o teor contestador do filme original (sério, essa refilmagem é mais um filme de ação do que um recriação fiel do primeiro filme). Para Kowalski ( o original) a velocidade significava liberdade.

4 comentários:

Anônimo disse...

"Falando do diabo..." numa cena do filme que vi hoje, Mais estranho que ficção, na parte em que os protagonistas estão assistindo um filme, adivinha que filme era? Hhahahaha. Maldita lei da atração...

Anônimo disse...

Você foi o unico cara até hoje que conseguiu me agradar em seus comentários: inteligentes e verdadeiros. Todos os outros que tentam dar sua opinião sobre cinema são - como disse Channing Pollock - "coxos que ensinam a correr."
Poste mais comentários se puder, assino o feed do seu blog além de sempre reler alguma coisa ou outra. Foi muito bom começar o ano lendo sobre Vanish Point. Pra assistir esse só pirata mesmo, o que é uma pena porque a qualidade nunca é a mesma, tsk-tsk.
Você assiste Lost? Gostaria de saber sua opinião sobre essa série que eu adoro.

Há um erro no ultimo parágrafo:

..."Parece que Tarantino se inspirou um pouco nele para realizar o seu recente DEATH OF PROVE. Filmaço."...

Na verdade o título correto é DEATH PROVE, sem o 'of'.

Entusiasticamente, obrigado.

ps: ouvindo Floyd por coincidência: 'Wearing The Inside Out' (The Division Bell)

Vlademir lazo Corrêa disse...

Michelle, é muita coincidência mesmo, pelo fato de que esse filme raramente (para não dizer nunca) é comentado em lugar algum. É a lei da atração hehehe...

Poxa Diego, obrigado, valeu pelo comentário. O meu esforço mesmo é em assistir filmes muito bons e tentar analizá-los da maneira mais justa possivel.
Uma pena que Vanishing Point não exista em DVD no Brasil (por aqui nem em video saiu). E valeu também pela correção do título do mais recente filme do Tarantino, isso é o que dar escrever só de cabeça, sem pesquisar antes haha...

E sim, Floyd sempre, toda vida.

Um abraço!

Anônimo disse...

Esse filme realmente deve ser muito bom, terei o prazer de ve-lo em breve né Vlademir? hehehehehe
Em tempo, o nome correto do filme de Quentin Tarantino é "Death Proof".

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