sábado, 26 de maio de 2007

Jean Renoir - A Regra do Jogo




Depois do enorme sucesso internacional de A Grande Ilusão (premiado em Veneza e indicado ao Oscar), Jean Renoir faria, dentre outros filmes, a sua obra-prima definitiva (para muitos, a maior do cinema francês): A Regra do Jogo. Infelizmente, nenhum outro filme do diretor repetiria o sucesso comercial que o seu clássico de guerra alcançou em 1937. Transcendendo o realismo-naturalismo típico da escola francesa da década de 30, o diretor realizou em A Regra do Jogo um retrato extremamente ácido dos descaminhos da sociedade de seu país num dos momentos mais críticos de sua história, à beira do pesadelo do inicio da Segunda Grande Guerra. Renoir descreve com lucidez e crítica a burguesia como um bando de ociosos alheios aos problemas do mundo que só agem em torno de diversão, perversões e de furtivos encontros sexuais. O roteiro de tramas paralelas e múltiplos personagens vai desvendando e corroendo o carrossel de hipocrisias e máscaras, não poupando nem os criados, o "proletariado", que supostamente deveria escapar das críticas, devido à orientação socialista do diretor, mas mesmo assim são descritos como outros alienados que vivem tentando imitar os patrões, formando um fatal jogo de gato e rato em que as classes se interagem através da troca de fluidos corporais. O discurso conservador em torno da família, religião e amor é uma farsa, pois os únicos que sofrem é o aviador que atravessa o Oceano Atlântico, dez anos depois de Linderbergh (para muitos uma possível metáfora para o atraso do país ou da burguesia) e o motorista, os únicos que não seguem a regra não escrita, porém existente no jogo: você pode ter mil amantes, desde que não leve a sério nada. Eles levam a sério, são excessivamente sinceros em suas intenções amorosas e acabam se dando muito mal nessa surpreendente história de assassinato e luta de classes em um final de semana numa grande casa aristocrática.

Octave (interpretado pelo próprio Jean Renoir), parasita social que transita entre empregados e patrões naquela casa de campo de gente doida, porém respeitável, melhor amigo do aviador, queixa-se para este de sua infantilidade capaz de cruzar o Atlântico, porém incapaz de comportar-se com praticidade no meio social burguês, sempre perdendo o controle das situações que tem em mãos. Não é todo mundo que consegue com hipocrisia e cinismo evitar que a vida privada não interfira na vida pública em meio às verdades e mentiras, dissimulações e desencontros da regra desse fatal jogo de gato e rato, cuja lei proíbe que se misturem diferentes classes sociais. Desse choque, explodem na tela o drama e a comédia de mãos dadas, com resultados trágicos para que a ordem possa voltar ao seu principio original. Tudo porque uma esposa, insatisfeita com o marido burguês, pensa em abandoná-lo, sem saber a qual dos outros homens ela se entregará.

Na sua pretensão de unir tragédia e humor, Renoir conseguiu alcançar cenas altamente cômicas de perseguição nos salões daquela casa de campo. No entanto, por trás dessa comédia de equívocos, Renoir transgrediu os elementos populares da comédia comercial não deixando que se ofuscasse o inegável tom de sátira em cima dessa farsa com o quadro social de seu tempo. Conseguiu o resultado que almejou com tamanha perfeição que, poucas semanas depois, com o estouro da grande guerra, a censura militar francesa proibiu o filme por ser ultrajante ao seu país. Dizem que na estréia, houve quem tentasse atirar cadeiras na tela, e outros buscando colocar fogo na sala de cinema.

Uma história tão bem contada que nem mesmo assim Renoir prescindiu de seu inconfundível apuro técnico, trabalhando com luz natural, com os mais diversos movimentos de câmera que fluem livre e leve, usando também da profundidade de campo e de planos seqüências relativamente longos. Foi um dos primeiros a filmar em locações e a alternar cenas internas e externas.

Depois desse genial, impiedoso e distanciado estudo da luta de classes na França, Renoir teve que abandonar o seu país com a ocupação alemã e teve seu auge criativo interrompido. Transferiu-se para os EUA, onde dirigiu mais alguns filmes, porém todos inferiores aos principais que realizara na França, onde em 1935(dez anos antes de Roma, Cidade Aberta) havia sido o precursor do neo-realismo com o clássico Toni. Nesse filme e em outros seguintes, ele teve como assistente o jovem Luchino Visconti (então de passagem pela França), que influenciado pelo mestre francês, seria o verdadeiro iniciador do neo-realismo na Itália (junto com Giuseppe De Santis), antes mesmo de Rosselini. Por seus filmes da década de 30, Renoir ainda seria ídolo de todo o pessoal da Nouvelle Vague, que detestavam os outros antigos cineastas franceses, mas não a Renoir. Claude Chabrol, por exemplo, chegou a dizer certa vez que já havia assistido A Regra do Jogo setenta e sete vezes. A Regra do Jogo serviu de inspiração para que Buñuel realizasse o seu melhor filme (O Anjo Exterminador) e foi praticamente refilmado por Robert Altman em Assassinato em Gosford Park (“Foi A Regra do Jogo que me ensinou as regras do cinema”, confessou Altman). Por essas e outras que quase sempre tem sido eleito em votações de tudo quanto é tipo de críticos como um dos dez melhores filmes da história do cinema.

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