quinta-feira, 24 de maio de 2007

Jean Renoir - A Grande Ilusão


Pretendia continuar escrevendo sobre os filmes mais superestimados do nosso tempo, porém desisti. Não que não seja algo importante. Como expliquei num comentário de um dos textos anteriores, para quem gosta de cinema, debater e expor idéias, é sempre estimulante a dissertação sobre qualquer obra, goste-se ou não dela. Só que já encheu o meu saco ficar escrevendo sobre filmes ruins. Para lavar a alma, vou me referir a um dos maiores cineastas de todos os tempos: Jean Renoir. Provavelmente um cineasta francês superior a qualquer conterrâneo seu que tenha feito filmes desde que Louis e Auguste Lumiere criaram oficialmente o germe do que hoje se chama cinema. Para alguns (como Peter Bogdanovich), é o maior diretor que já houve no Ocidente. Enfim, por mais que para alguns esses dados possam ser mais relevantes, pouco importa. O bom é dissertar sobre os melhores filmes que o sujeito realizou. Um deles, A Grande Ilusão, narra o esforço sobre-humano de um grupo de soldados franceses para escapar de um campo de prisioneiros na Alemanha.


Mais do que um filme de guerra, A Grande Ilusão impõe-se ao longo dos anos como um dos mais supremos manifestos antibelicistas do século XX. Um filme de guerra que (ao contrário dos clássicos norte-americanos do gênero) praticamente não mostra nenhuma cena com ação e metralhadoras, como que se Renoir renunciasse a tirar um aproveitamento estético de cenas de batalha para condenar a guerra, insinuando o conflito sem recorrer a imagens violentas que fossem provocar reações de entusiasmo no público. Por isso que para muitos espectadores (mesmo para os que amam esse filme), essa opção narrativa torna o filme um tanto monótono e arrastado, mas é que aqui o que importa é a fragilidade humana dos personagens em meio a um campo de prisioneiros na Primeira guerra Mundial. Outra das preocupações do cineasta (e que também incomoda a algumas pessoas) é que ele no microcosmo apresentado no filme retratou um mundo utópico em que inimigos de guerra se tratam com respeito e delicadeza. Um mundo de gentleman. Prisioneiros franceses e oficiais alemães entendem-se perfeitamente com extrema camaradagem e total cordialidade, tanto um quanto o outro lado em pleno acordo um com o outro apenas cumprindo um dever e esperando a guerra acabar. Essa abordagem em um filme do gênero faz com para grande parte das platéias atuais esse clássico de Renoir se apresente um tanto quanto pueril. É que o humanismo do diretor preza a nobreza acima de tudo. "Por mais incômodo que possa parecer, Hitler não modifica em nada minha opinião sobre os alemães", escreveu Renoir, que serviu no exército francês de seu país na Primeira Guerra. "Lutei na I Guerra e, tanto eu como meus companheiros, não sentíamos ódio dos alemães”. Mesmo que o resultado se torne ingênuo nesse ponto de vista, pois a visão de confraternização entre adversários seria desmentida logo a seguir na Segunda Grande Guerra e em todas as subseqüentes (todas retratadas em inúmeros filmes com o fetiche estético de violência que Renoir evitara em A Grande Ilusão), o antibelicismo da obra nada tem a ver com uma possível tentativa de união com o III Reich às vésperas da Segunda Guerra (como muitos insinuaram, chamando o cineasta de “germanófilo”), pois os próprios nazistas na Alemanha (e também na Itália e depois na França ocupada) proibiram o filme por seu inconfundível pacifismo, sua mensagem humanitária que subvertia os valores de guerra(Goebbels o definiu como "Inimigo número 1 cinematográfico")

Numa década em que o mundo estava dividido ideologicamente prestes a entrar em uma grande guerra, o que Renoir celebrou foi um mundo em extinção, o fim do cavalheirismo com o surgimento da barbárie e mau modo dos costumes que predominam desde a segunda metade do século que recém terminou. De fato a Primeira Guerra assinalou o desfecho da Belle Epoque e o surgimento de uma nova época, mais avessa ao fino-trato. Quanto ao filme, jamais uma produção do gênero guerra mostrou um conflito bélico com tão discreta grandeza e sobriedade de tom. Embora fosse um artista mais preocupado com o realismo-naturalismo de seus entretrechos, jamais se descuidou da técnica, sempre conservando especial atenção ao sentido plástico de suas imagens, o que se nota na utilização da profundidade de campo e sucessivos planos-sequências, com incrível movimentação de câmara e colocação dos atores em cena. Uma obra-prima.

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