segunda-feira, 16 de abril de 2007

O Estranho Que Nos Amamos





No tempo em que era famoso por seus faroestes e filmes policiais truculentos e reacionários, Clint Eastwood estrelou essa preciosidade que desde sua realização permanece absurdamente desconhecida mesmo para muitos aficionados por filmes antigos. O tempo vem tratando de aos poucos corrigir essa falha dos mecanismos da Sétima Arte e fazer com que mais e mais cinéfilos o descubram e o incluam em sua lista de favoritos da década de 70, mas é um absurdo muito grande que até esse momento não tenha sido sequer lançado em DVD aqui no Brasil. Como pode o melhor filme da carreira de Clint Eastwood ser o mais desconhecido entre todos os que ele participou? Não faz mal. Eu amo filmes obscuros, adoro conhecer pérolas que quase ninguém comenta, e carregá-las na mente como uma jóia rara que é conservada no cofre de um colecionador de esmeraldas.Na linha de Férias de Amor (Picnic), clássico dos anos 50, narra num curto espaço de tempo profundas transformações que um estranho causa na vida de pessoas regradas e ordeiras. Só que os anos 70 permitiram que o filme de Donald Siegel contivesse ousadias que jamais seriam abordadas na época de Picnic, inimagináveis até, o que acaba resultando num impacto muito maior, ainda mais por ambientar o enredo no conflito entre sulistas e nortistas durante a Guerra Civil americana.
O grande achado é que a história transcorre num colégio de moças sulistas que, a principio contrariadas, abrigam um soldado nortista ferido em combate. O estranho, muito simpático, mexe com a cabeça de todas as “indefesas” moradoras do local. Por causa da guerra, ele não via mulheres há muito tempo, enquanto que as jovens, obviamente, não estavam acostumadas com presença masculina. Mesmo com essa leitura dos fatos, o filme consegue, com sua incrível sutileza, escapar de qualquer tipo de exagero que se possa imaginar, ao mesmo tempo em que é seriíssimo e sem concessões. Um enredo desses bem que poderia descambar em excessos e sensacionalismos, porém, contando com rara argúcia, Don Siegel jamais se excede em momento algum. Aquelas mulheres desejam, mentem, namoram e manipulam o coitado do protagonista, conseqüência dos hábitos modorrentos e castradores que a moral religiosa infligiu nelas, e então elas abandonam toda ética que possuíam, ainda que sempre sob a máscara da moral do nome de Deus. Os papéis se invertem, de conquistador o soldado passa a seduzido e enganado (como sugere o titulo original, The Bequiled). Um prisioneiro, logo ele que havia escapado dos exércitos inimigos nos campos de batalha. Uma vitima dos mecanismos hipócritas das enclausuradas donzelas. Explodem sentimentos reprimidos de inveja, ciume e rancor. Até mesmo a menor e mais inocente das jovens (uma criança de doze anos) tem o seu instante de maldade. (SPOILLER: Se ainda não viu o filme, não leia o resto desse parágrafo, que descreve cenas e até o final do filme!). A menina era a que havia encontrado o soldado no inicio do filme, numa árvore próxima ao internato. Uma cena inesquecível: o soldado ferido, logo que recebe a ajuda da menina, em estado de semi-consciência, ao saber da idade dela lhe dá um beijo depois de dizer: “Então já tem idade para ser beijada”. Ela é a que mais se importa com o soldado durante o filme inteiro, só que no final, magoada com um acesso de fúria dele, é a responsável pela sua morte. Ela o salvou, ela mesma o liquidou. O plano, claro, fora concebido pela superiora que antes havia cortado uma das pernas do protagonista para garantir sua permanência e subordinação naquele enclausuramento!
Um filme incomum, inteligente, fascinante e com ótimos diálogos e excelente estrutura dramática. Quem gosta de se surpreender com as invenções da Sétima Arte (e se espanta sempre que se depara com alguns dos aspectos mais mesquinhos e recônditos do ser humano) merece o prazer de assisti-lo. Clint Eastwood fez muito abacaxi em sua carreira, mas um filme como este faz com que ele mereça todo o reconhecimento que ele alcançou com público e critica. Enfim, O Estranho que Nós Amamos permanece a melhor obra em que seu nome esteve envolvido durante sua carreira na América (descontando, é claro, os filmes que fez com Sérgio Leone).

3 comentários:

Paulão Fardadão Cheio de Bala disse...

Eu conheço esse filme. É do tempo em q eu não dormia. Lembrar dele é como lembrar de olhos remelentos em manhãs frias.

Vereremos que mais suspresas su blog me reserva.

Vlademir lazo Corrêa disse...

Fico feliz que tenha visto essa obra-prima que quase ninguém conhece. De fato, só os insones da madrugada que nem nós tiveram o privilégio de assisti-la, e ainda assim em poucas oportunidades.

E obrigado, Paulão, mais uma vez grato pela sua presença por aqui.

Anônimo disse...

Também assisti este filme, há muito tempo, é um filme interessante, uma história bem cruel e realmente quase desconhecido. Preciso rever... Seu comentário muito bom Vlademir. Parabéns por buscar e trazer à tona filmes como este.

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